O anarquista e o Infinito

A obra sugerida para os meses de abril e maio é um romance policial de Chesterton, uma leitura divertida que «não é somente uma obra de ficção, mas um convite a abrirmos nossa razão para vivermos à altura do nosso coração»
Companhia da Leitura*

O homem que era Quinta-Feira: Um pesadelolivro do bimestre para os meses de abril e maio – propõe um debate entre cristãos e anarquistas e o leitor perceberá, assim que começar sua leitura, que há um complô anarquista para tomar o poder mundial. Um elemento infiltrado neste grupo anarquista tenta desmascarar o plano.

Com isso, Chesterton compõe um romance policial – à moda Sherlock Holmes – extremamente divertido, engraçado e envolvente.

Sobre um dos elementos centrais da trama – o anarquismo –, não poderíamos deixar de partir da afirmação de Dom Giussani que: é elementar, meu caro, «que a anarquia, do ponto de vista antropológico, assim como o panteísmo, do ponto de vista cosmológico, constitui uma das grandes e fascinantes tentações do pensamento humano. De fato, a meu ver, somente dois tipos de homem resgatam inteiramente a estatura do ser humano: o anarquista e o autenticamente religioso. A natureza do homem é relação com o infinito: o anarquista é a afirmação de si até o infinito, e o homem autenticamente religioso é a aceitação do infinito como significado de si».1

A essa mesma conclusão chega Chesterton quando, em sua obra O homem que era Quinta-feira: Um pesadelo, põe na boca de alguns personagens o seguinte diálogo, revelando as posições acima mencionadas:

«“e foste desde o início nosso pai e nosso amigo, por que fostes também o nosso maior inimigo? Choramos, fugimos aterrorizados; o ferro entrou em nossas almas – e você é a paz de Deus! Oh, eu posso perdoar a Deus Sua ira, embora tenha destruído nações; mas não posso perdoá-Lo por sua paz.”
Domingo não respondeu uma palavra, mas muito lentamente voltou o rosto de pedra para Syme, como se fizesse uma pergunta.
“Não”, disse Syme, ‘não me sinto tão feroz. Sou grato a você, não apenas pelo vinho e pela hospitalidade aqui, mas por muitas corridas e lutas livres. Mas eu gostaria de saber. Minha alma e meu coração estão tão felizes e tranquilos aqui quanto este velho jardim, mas minha razão ainda clama. Eu gostaria de saber.”»
2

Não se iluda o leitor que Chesterton – assim como Dom Giussani – esteja interessado em abordar temas filosóficos ou abstratos, na realidade ambos tratam daquela posição que faz com que cada um de nós – homens, mulheres, jovens e velhos – olha e trata a flor do campo, o pássaro que voa, o trabalho, a pessoa que ama…

Como nos adverte Dom Giussani: «Não há relacionamento justo se não estiver em função do Destino: para lá tendem, de fato, todas as necessidades do ser humano, do ser participado que se chama homem. Quando o homem vive isso e aceita isso, procura em todos os relacionamentos o destino do outro, então todos os relacionamentos são bons e em todos os relacionamentos o homem aceita a ajuda que lhe vem do Mistério através do outro, por maior ou menor que seja; pois através do outro o Mistério ajuda o homem, quando o homem vive os relacionamentos – o relacionamento com o colega, com o outro – com a consciência do destino. Assim, em qualquer relacionamento se parte com uma hipótese positiva. A alma secreta de qualquer relacionamento é a amizade: querer o destino do outro, aceitar que o outro queira o meu destino. Se reconheço e aceito que o outro age pelo meu destino, isto é amizade».3

O aspecto mais interessante, no fim do livro, é a revelação de que o debate ideológico não é o elemento central, pois na verdade tanto anarquistas como cristãos estão perseguindo a mesma coisa: uma resposta para o mistério da vida.

É elementar, caro leitor, que O homem que era Quinta-Feira: Um pesadelo não é somente uma obra de ficção, mas um convite a abrirmos nossa razão para vivermos à altura do nosso coração que é desejo do Infinito.
Ao trabalho...

* Eliandro Pereira da Silva, Raul Cesar Gouveia Fernandes, Cecilia Canalle, Silvia Brandão

Notas

1 Luigi Giussani, O senso Religioso, Jundiaí: Paco Editorial, 2017, p. 26.
2 Gilbert Keith Chesterton, O homem que era Quinta-Feira: Um pesadelo, Dying Tree Books, 2020, p. 169.
3 Luigi Giussani, Dar a vida pela obra de Outro, São Paulo: Companhia Ilimitada, 202, p. 61.