Livres, porque dominados por uma certeza

Um momento de férias para, através dos mesmos gestos de 20 anos, redescobrir o frescor da companhia de Cristo. E o gosto que Ele traz para a vida. Basta "abrir a porta" e Ele "quebra as correntes", possibilitando uma verdadeira libertação
Isabella Alberto e Patrícia Molina

Metade de julho, finzinho do outono, com dias quentes e noites frias, pouco mais de 200 pessoas (das quais 80 crianças) se reúnem no balneário de Angra dos Reis para um momento de férias. A proposta inicial era para os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas, pela amizade e pelas histórias compartilhadas, muitos outros desejaram se juntar ao grupo, chegando de cidades como Manaus, Belo Horizonte e Aracaju.

O momento das férias é sempre uma ocasião de retomar o caminho, viver a alegria da amizade e, principalmente, dar-se mais conta do que realmente sustenta essa amizade e gera essa cara alegria. É um momento grande também para as famílias. Para algumas, essa é a única oportunidade de fazer férias juntos. Como uma proposta simples e no salão onde eram realizados os momentos comuns, a frase de Von Balthasar se destacava: «Deus é absolutamente único e, enquanto me concede Seu amor que escolhe, nesse raio torna-me único também a mim». O barulho das crianças brincando no fundo do salão parece um trilha sonora que fica ali a nos lembrar que o que encontramos abraça mesmo tudo. Dom Paulo Romão, bispo auxiliar do Rio de Janeiro, e Dom Filippo Santoro, que atualmente é arcebispo de Taranto e chegava naqueles dias ao Brasil para passar férias e reencontrar os amigos, nos acompanharam nestes dias.

Já na primeira noite, a proposta de jogos e os times já separados em 32 países como na Copa do Mundo, que justamente naqueles dias estava na fase final na Rússia. Muita criatividade, pela qual o time vencedor ia agregando os perdedores e ninguém saía da festa. Competições de queda de braço, cabo de guerra, e tantos outros jogos fizeram os adultos brincar como crianças. Uma explosão de alegria, e o que impera, além da vontade de vencer, é a mais completa liberdade. Aquela mesma liberdade para a qual o Bracco, o responsável nacional de CL, que conduzia estas férias, chamava nossa atenção: «A liberdade não é fazer aquilo que se quer, mas é ter essa familiaridade. Livres, porque dominados por uma certeza. A razão pela qual estamos aqui é para que cresça essa familiaridade com quem nos faz, por Cristo, porque muitas vezes o que domina em nós é o medo e não a certeza».

Com essas palavras no coração, o grupo partiu para o passeio pelas ilhas de Angra. Dividido em três escunas o grupo partiu para um passeio animado, em uma manhã um pouco nublada. Na primeira ilha, mais jogos, a disputa continuava acirrada e a animação era cada vez maior. Na segunda ilha, pequena e linda, o sol apareceu. Como o nosso povo: pequeno, frágil, cuja beleza aparece como um reflexo da Grande Beleza que o gerou e à qual pertence.



Durante a tarde, uma surpresa que encheu a todos de maravilha. O desejo era apresentar algum tema cultural, e os professores Raúl Gouveia e Cecília Canalle prepararam cuidadosamente uma apresentação de dois contos da escritora Clarice Lispector. O momento foi introduzido pelo canto Roupa nova, na linda interpretação de Tatá Sympa, e ali se introduzia o tema da espera: Pinduca, que todos os dias espera o trem na plataforma. Foram lidos trechos de dois contos e, à medida que a apresentação seguia, o público foi se envolvendo e a escritora, de difícil entendimento, tornou-se amiga. Aquelas palavras falavam da própria vida. Ficou o convite para lê-la e muitos correram à banca de livros para adquirir os poucos exemplares que haviam chegado para divulgação.

Numa das noites foram convidados três amigos para que contassem suas experiências de caritativa e sobre como participar com fidelidade deste gesto de gratuidade tem mudado suas vidas ao longo dos anos. Lourdes Mara, do Rio de Janeiro, falou sobre as visitas ao Lar Santa Isabel: «Nós vamos, e a única coisa que podemos doar é a nossa própria pessoa. Porque a maioria das pessoas tem Alzheimer, conversam com você, e daqui a pouco nem sabem mais quem você é. Então, você só vai lá porque confia em alguém; é uma proposta que alguém te fez, para poder estar ali de uma forma despretensiosa. E você doa o seu tempo para algo que você não tem como medir. Esta é uma educação para a própria vida». Em seguida, Isabel Martín, espanhola que há sete anos mora em São Paulo, contou como a caritativa a envolveu desde o encontro com o Movimento, aos 18 anos, e nos diferentes gestos que fez e que lhe deram uma abertura ao mundo. Desde a primeira, numa favela na periferia de Madri: «A caritativa me ajuda muito a levantar o olhar, e começar sempre de novo. Com os outros, mas também comigo mesma, porque muitas vezes aprendo com aquilo que vejo, que são como feridas, e posso reconhecer que eu sou mendiga também, me ajuda a fazer memória de que eu também preciso muito de Cristo». Por fim, Alberto Savorana, grande colaborador de Dom Giussani e escritor de sua biografia, presente no Brasil para a divulgação do livro, relatou como há mais de 40 anos vem aprendendo a cada dia com esses gestos: «Quando Dom Giussani inventou a caritativa no final dos anos 50, também na palavra ele inventou uma coisa nova. Porque tem muita gente que faz o bem no mundo, que faz filantropia, voluntariado, que ajuda os pobres e os necessitados. Isso é uma coisa muito boa, mas neste caso é algo diferente: aqui é uma coisa que se faz, sobretudo, para nós mesmos; para aprender a viver como Cristo».

Domingo de manhã, na assembleia de encerramento das férias, os testemunhos e as perguntas comprovam a beleza dos dias vividos juntos. No início, o canto Al mattino e a oração do Angelus. Pedido de que o Senhor preencha nossa ânfora vazia. E uma sucessão de relatos do que foi vivido nestes dias, seja de quem participa há 20 anos e continua se admirando, seja de quem estava há 10 anos sem vir e se sentiu totalmente em casa. Os depoimentos estão no documento anexo. Um ajuda, como dizia Bracco encerrando o encontro, «para que cada um possa fazer pessoalmente a experiência da presença de Cristo, algo que a companhia não pode fazer em nosso lugar. Devemos desejar conhecer quem é Ele, quem está na origem desse caos maravilhoso, que pode gerar dias bonitos assim e que vão continuar agora, voltando para casa».