«Uma ocasião para nós»
As férias da comunidade de Florianópolis. Um diálogo com Marco Montrasi, responsável nacional de CL. Jovens, fé, empenho, vida. Temas que tocam a vida de cada umAlgumas notas das colocações de Marco Montrasi, responsável nacional de CL, durante o encontro realizado com a comunidade de Florianópolis/SC no início de janeiro, após alguns dias de férias juntos.
Nas últimas semanas, a coisa que mais me marcou foi numa missa, quando ouvi essa leitura de São Paulo: “Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva”. Porque no Tempo de Natal é como se cada palavra estivesse como que explodindo. Nós, que somos sujeitos à Lei – e tem um monte de Leis que nos prendem, muitas vezes, no trabalho, as brigas entre nós, a esposa, o marido, os filhos… –, muitas vezes ficamos presos, tantas coisas nos prendem. Às vezes nós acostumamos ou não aguentamos. Mas chegou um cara nascido sujeito à lei, a fim de me resgatar e me dar uma filiação adotiva. Aquilo que eu mais agradeço da experiência desse caminho que estamos fazendo é poder descobrir isso de verdade, porque se existe alguém que me solta essas correntes, se de verdade existe, eu não posso ficar longe desse cara. E não posso ficar sem a companhia dele. E quando você faz a experiência de alguém que solta essas correntes, de uma forma misteriosa, mas real, eu sou livre. Quando a gente começa a fazer essa experiência, se, por exemplo, brigamos, por causa de uma Presença aquela coisa não é mais uma corrente que o prende. Você faz experiência de que há uma Presença que o solta disso. Essa é a razão pela qual Cristo se torna interessante. Senão é alguém que também se precisa seguir com uma Lei; sendo que temos Leis demais para seguir, se Ele se torna mais uma Lei… Ao contrário – é muito legal isso – Ele, sujeito à Lei, veio para me resgatar. Não para eu fugir das Leis, mas para fazer essa experiência de liberdade. Para ser livre! E o que significa isso? Ser filho. Porque quando um cara é filho, é livre. E nós podemos viver esquecendo de ser filhos. Ou não fazer mais a experiência de ser filho. Ser filho significa que o pai o leva para lugares novos, lhe dá esperança, lhe dá certeza, o perdoa. Não podemos viver sem fazer a experiência de ser filhos. Só que podemos nos acostumar a viver assim, e a vida se torna um aderir às Leis. E isso sufoca, eu preciso fugir, preciso de outras coisas. Então achei isso muito legal, que o Natal é isso: já não sou escravo, mas filho. Dentro das Leis! Essa é uma revolução! Para nossa amiga que trabalha na APAC, é possível transmitir uma experiência dessas a quem está na prisão, e ver que tem alguém que te dá esse olhar, que também lá dentro se pode fazer uma experiência de liberdade. Bom, nós podemos viver tantas prisões, mesmo estando livres. Então é fundamental, para mim, vir aqui. Por isso falei que esses encontros de hoje, os encontros entre nós, não são para esquentar um pouquinho a amizade que estava fria, tirar um pouco de ferrugem, mas para fazer essa experiência. Mesmo que seja uma vez por ano.
Na vida precisa que aconteça alguma coisa, como uma faísca, para que possamos ver aquilo que não estamos vendo. Mas isso não é só para o seu filho que não quer mais ir à miss, é para nós também. Porque talvez nós estejamos indo na missa, mas não acontece nada. Fiquei marcado com uma coisa que o Papa Francisco falou num jantar com alguns meninos. Um deles falou: “Papa Francisco, eu tenho um amigo que é agnóstico. Eu sou muito amigo dele. Mas o que tenho que dizer para ele para fazer com que ele comece a seguir aquilo que eu sigo?”. O Papa falou assim: “A última coisa que você tem que fazer é dizer alguma coisa. Você, viva”. Falou assim: “Você, viva. E se um dia ele lhe perguntar, aí sim você vai falar”. Esse método parece mais árido, parece que se ele parou um dia de ir à missa, então agora não está acontecendo nada. Não é verdade! Tem aquilo que você mostrou para ele. É uma dor que ele não possa ir lá e receber Jesus como você vai. Mas não é que não esteja acontecendo nada. E a coisa que mais pode mudar o outro é que nós vivamos. Porque a única mudança é por atração. Que possa acontecer uma faísca para que eles – os jovens – comecem a entender por atração, e comecem a perguntar: “Por que ele é assim?”; “Mas por que você falou isso?”. Aí eu explico para ele. É um método que parece mais devagar, mas é o único método, que ama a liberdade. Amar a liberdade é mais difícil… Exige paciência, um tempo, como o tempo de Deus. Nós temos que pedir essa paciência. Mas aquilo que você mais tem de certeza para ajudá-lo é sua vida; que ele possa ver alguém “vivo”, para que um dia chegue a perguntar.
Mas essa coisa dos jovens, não é um problema dos jovens, essa é uma ocasião para nós, porque não podemos mais dar nada por óbvio. O que mais ajuda quem vai embora, ou quem não está, ou quem não quer, é que tenha uma vida que me faz vibrar aqui. Que, quando alguém sentir saudade, sabe que tem uma casa, mas sabe tem uma casa de pessoas vivas, que amam, que vivem, que têm esperança. Essa é a maior ajuda. Precisamos pedir essa graça. Porque quando tenho essa vida em mim, também é uma superabundância. Quando eu estou vazio, se o outro não faz aquilo que eu quero, é como um arpão que o espeta, você fica quase com raiva. Mas quando você vive uma superabundância, se o outro não faz como você quer, você já está cheio. Não é que não se importe, não estou falando isso, mas é dessa superabundância que ele precisa. Se, pelo contrário, você está vazio, vai ficar sempre querendo segurar. E isso vai afastar mais ainda. Por isso, quando os jovens vêm que tem uma mãe ou um pai, ou quando tem um amigo mais velho, que dá liberdade, essa é a maior ajuda de que eles precisam. Mas não significa “Ah, então agora vai, se vira. Um dia a gente se vê”. Não. Você ama a liberdade deles.
Agora estamos num momento cada vez mais como no tempo do Evangelho. Hoje se tem muita necessidade, tem muita sede, cada vez mais tem feridas enormes. Por isso é necessário “A tenacidade de um caminho”, como falava Dom Giussani. Por quê? Porque passa uma semana, depois na outra a gente se encontra, e tem o texto, tenho que ler. E não é fácil, porque a cultura hoje tenta lhe falar isso: “Você vai se virar sozinho, fica tranquilo”. Tem outras coisas que te deixam mais cômodo em casa, não é fácil ter essa tenacidade. Mas precisa ter paciência, até um dia alguém chegar e falar: “Não, eu preciso disso”. Tem que me dar o esqueleto para viver. A gente sempre procura umas florzinhas, umas coisas, os perfumes. Mas quem lhe dá um esqueleto pra viver? E isso é o nosso caminho. É mais difícil, é exigente. Mas Cristo veio ensinar um método, um método para poder viver. Uma presença que ensina um método. Por isso Ele fez um caminho com os apóstolos. E a Igreja nos oferece isso. Mas temos que ter também a sensibilidade de que não é simples, não é fácil, com tudo aquilo que cada um vive. Precisamos ter essa paciência infinita. E ser uma presença para quem encontramos. Humana. Humana. Que tem o desejo de ir encontrá-los.
Eu fiquei marcado com o Juliano, filho do Rogério, que começou a escrever poesia. E quase ninguém sabia. E quando alguém se sente olhado por uma professora na escola é como se passasse por uma brecha a preferência. Não é uma estrutura, não é um discurso, não é uma estratégia nossa, mas passa por uma brecha. Estava dentro há muito tempo, mas um dia passou por uma brecha, por um olhar, e ele se sentiu único. Alguém que o olhou nos olhos. Nós seguimos uma pessoa que quer que a gente abra essa brecha, que nos prefere assim. A ponto de a gente escrever poesias. E são poesias belíssimas. Então é como se tivéssemos que olhar, cada um de nós, certos que ele tem essa brecha. Cada um de nós é preferido assim. E que cada um de nós possa se sentir preferido, único. E se isso vibra, a gente vai ter paciência, a gente vai ter criatividade, como com uma criança pequena. Você faz de tudo; hoje não consegue que ela entenda isso, mas à noite você pensa outra modalidade, que amanhã muda, como um aviãozinho para ela abrir a boca. Por quê? Não porque tem que fazer, mas porque está superabundante em você essa preferência. Esse ser filho, que me gera um amor, e disso ter que reconquistar tudo. Tudo: por que vamos à missa, o que acontece na missa… Dentro da minha experiência. Como se tivéssemos que fechar um livro, esquecer. Agora me fala: na sua experiência, o que é isso? Não adianta mais Dom Giussani saber, o Papa saber. Eu, com as minhas palavras, sei o que acontece lá naquele pão? Por que vamos lá? Por que é importante? Isso é reconquistar o cristianismo. Acho que é essa coisa bonita desse tempo. Não tem mais a esteira que nos leva. Tem que vibrar na nossa experiência. E precisamos nos ajudar nisso, nessa paciência contínua. E que possamos ter um lugar, pedir que esse lugar tenha sempre alguém, alguém vivo que contagie os outros, que desperte isso.