“Existe alguém com quem eu possa ser eu mesmo?”

Em fevereiro, pouco antes do carnaval, um grupo de Colegiais de Salvador se reuniu para um momento de férias. Entre jogos e tempo livre, uma pergunta que faz olhar com seriedade a própria vida
Paola Cigarini

Nos dias 15 e 16 de fevereiro, a lancha que leva de meia em meia hora os passageiros da cidade de Salvador à Ilha de Itaparica, no pequeno porto de Vera Cruz-Mar Grande, foi ocupada por uma turma diferente do normal. Tratava-se de um grupo de cem adolescentes, na maioria moradores dos bairros São João do Cabrito, Plataforma e Lobato, na periferia de Salvador, acompanhados por alguns adultos. Foi assim que começaram as férias dos colegiais de Salvador, unindo uma turma de alunos do Centro Educativo João Paulo II, o grupo da Paróquia Jesus Cristo Ressuscitado e o grupo dos Colegiais que estuda e mora nos bairros nobres da cidade.

As férias tinham sido preparadas por Padre Emilio, Padre Davide e Nilzete, da Paróquia Jesus Cristo Ressuscitado, por alguns professores do Centro Educativo ligados à experiência do movimento Comunhão e Libertação, como Paola, Tamiris, Joseane e Lázaro, ou curiosos de participar, como o professor Julivan, e por Jean, responsável dos Colegiais em Salvador. As férias, sempre realizadas antes do Carnaval, têm se tornado um momento importante e a cada ano têm sido cada vez mais procuradas pelos alunos do Centro Educativo e pelos adolescentes que frequentam a Paróquia, a ponto de que 2020 deu o sold out: não havia mais vagas disponíveis na casa São José de Mar Grande, portanto tivemos que fechar as inscrições. Esse fator já tem sido um sinal de novidade: por que esses meninos procuram tanto este momento? O que eles procuram? Passar dois dias em companhia de outros adolescentes, mas dentro de uma rotina precisa, com algumas pessoas adultas que conduzem o gesto, tendo horário para acordar, horário para brincar, horário para comer e, sobretudo, horário para dormir, que graça tem? A maioria deles já tem autonomia para fazer o que bem quiser: sair de casa quando quer, sem horário para voltar, sem ninguém que pergunta onde estava e o que estava fazendo. O que é, então, que eles procuram? O que eles encontram nessa experiência? O tema proposto para as férias tem muito a ver com o desejo de todos de estar lá. Escutamos e conversamos sobre o texto da música Contramão, de Belo. A certa altura o cantor se pergunta: “Mas existe alguém com quem eu possa ser eu mesmo?” Essa pergunta foi a pergunta das férias.



As férias começaram desde o início em clima de festa. A travessia do mar se acompanhou de cantos, resenhas, muitas conversas postas em dia. Na chegada à Ilha, o grupo se dirigiu logo à casa São José, dos jesuítas, onde o Padre Emilio introduziu as férias e o seu significado. Lázaro e Joseane lançaram o clássico desafio das brincadeiras, que acaba sendo o liet motiv dos dias passados juntos: os grupos, identificados por cores diferentes, a cada momento inventam coisas para conseguir a maior pontuação e ganhar o desafio das férias. Depois das brincadeiras, veio o momento de pensar sobre o tema em grupos. Foi impressionante ver a seriedade dos diálogos e o silêncio na escuta da música. Depois do trabalho em grupos, teve o esperado banho de mar acompanhado pelas brincadeiras e seguido pela preparação da festa da noite, que tinha como tema: Na rua do Carnaval encontrei... O salão da grande casa se transformou no circuito do Carnaval, e os grupos encenaram os blocos, com os cantores, completos de cordeiros, foliões ao delírio, catadores de latinhas e até polícia. Um verdadeiro Carnaval. Na sexta à noite tivemos a sorte de ter Sêmea Assaf conosco, responsável nacional dos Colegiais, e, no dia seguinte, chegou também o Marco Montrasi, responsável nacional, mais conhecido como Bracco. O segundo dia passou entre brincadeiras, banho de mar, muita alegria e se concluiu com a assembleia final, guiada por Bracco e o Padre Emilio.

Nas colocações da assembleia ficou claro que foi muito fácil se identificar com as palavras da música do Belo, que retrata muito bem a vida de muitos dos adolescentes presentes. Se não há este “alguém”, a única alternativa diante dos problemas da vida é fazer a cara dura, enfrentar todos e tudo, se sentindo, no fundo, sozinho e desamparado, precisando se defender para sobreviver. Determinou-se um diálogo muito interessante com Bracco, que falou muito da tristeza como um sentimento que nos impulsiona a procurar algo, que sinaliza que temos uma saudade de algo, contrariamente a tantas vezes em que pensamos que por nos sentirmos tristes não somos normais ou temos alguma doença psicológica. A tristeza, ao contrário, sinaliza que procuramos algo que não conhecemos, mas que existe.



A experiência vivida pelos adolescentes e a resposta que eles deram à pergunta das férias estão nos depoimentos a seguir.

Andando pelas ruas durante o carnaval encontrei algo diferente
uma nova realidade, algo que é triste ver na gente
festas
alegrias
amor
fantasias
drogas
bebidas
tristezas
ingeridas
corações vazios
tentando preencher
com coisas que não vão te satisfazer
mas é isso mesmo o que eu quero?
onde eu vou?
se não sei nem quem eu sou
com o que meu coração é realmente preenchido?
amizades, amores
que me decepcionaram
isso é tempo perdido?
então não é o amor?
ou é?
mas com alguém que nunca me decepcionou
Andando pelas ruas durante o carnaval encontrei a pessoa que nunca me abandonou
Ele.
Poesia “Andando pelas ruas” do “Grupo Azul” das férias

O que significou pra mim fazer parte das férias? Bom, logo no meu primeiro ano, em 2016, eu tive a primeira experiência de participar desse encontro que reuniu várias pessoas diferentes e de lugares diferentes. Lembro que eram 3 dias – sexta, sábado e domingo –, e no primeiro dia já fui aprendendo a gostar de pessoas novas, de fazer amizades novas, fazer brincadeiras novas e conhecer um lugar novo aonde eu nunca tinha ido. Os dias se passaram e as experiências foram as melhores possíveis, apreendi a ter mas respeito pelo outro, a ser quem eu sou. Ao longo dos anos a expectativa para fevereiro só aumentava, porque ia se repetir tudo de novo, mas a experiência seria diferente. Nesse ano de 2020 foi mais uma dessas experiências incríveis, conheci mais pessoas novas, me diverti bastante. O tema deste ano também foi um bom tema: um lugar onde eu possa ser eu mesmo... E era ali que eu me sentia eu mesmo. O que as férias me oferecem? Muitas coisas boas, uma delas é sair do meu bairro e conhecer lugares novos, um lugar que te livra de coisas negativas como drogas, tráfico ou até mesmo a morte. Acho que ali é um bom lugar para que as pessoas fiquem longe de tudo aquilo e um lugar que o deixa feliz, que proporciona coisas incríveis para você. Acho que poderiam ser mais dias, mais vezes no ano, pois vale muito a pena se afastar de tudo o que é negativo. Como experiência própria indico mil para as pessoas irem e se divertir, dançar, rezar, brincar. As férias para mim foram uma das melhores coisas que já aconteceram em minha vida e espero que continuem sendo uma das melhores coisas na vida de cada um dos membros que participa.
Everton Cirqueira



Venho através desta mensagem agradecer de coração a você, Josi, por ter insistido muito para que eu fosse às férias com você e com outros jovens, com os quais eu dividi experiências incríveis. Aprendi muito também, e uma coisa que me marcou bastante foi a hora em que reunimos a nossa equipe para poder falar sobre a música (Contramão, Belo). Antes de ir para as férias eu estava muito insegura do que eu iria “fazer” na minha vida, pois terminei os estudos e estava tentando me encontrar. E sempre tem aquela cobrança na família, que fica sempre no seu pé. Poder sair um pouco daquilo, poder ir para um local com pessoas que você não conhece e ter uma certa liberdade assim, foi uma experiência nova para mim. Eu me diverti muito, brinquei bastante e fiquei me perguntando no final: “Se eu não tivesse ido, quando é que eu viveria um momento daqueles?” E hoje eu respondo que jamais iria. Lá eu encontrei uma tranquilidade para o meu “eu”, uma alegria por aqueles dois dias passados e me senti grata no final por ter aceitado aquele desafio, porque encontrei pessoas com quem não tinha tanta aproximação assim, o que acabou tornando as coisas mais fáceis. E sobre o tema, sim, é possível encontrar algo que me permita ser eu mesma: a fé. A minha fé faz com que eu insista em conquistar os meus objetivos, os meus desejos e sonhos. Obrigada por não ter desistido de mim!
Andressa Miranda

Não sei explicar as coisas que aconteceram lá, ou talvez não tenha explicação do quanto me senti bem lá, mesmo não tendo muita afinidade com todos. Lá me senti bem em todos os momentos; passamos poucos dias lá, mas foi como se fosse um mês. Fizemos tanta coisa que perdi a noção do tempo, me afastei de tudo, das redes sociais, de tudo que até então estava me fazendo mal. Gostei muito de lá, de cada momento, de cada lembrança das pessoas que ficaram conosco. Conheci novas pessoas, fiz novas amizades e gostaria de agradecer por ter me proporcionado esse momento.
Ueslei Braga

Para mim, foi muito diferente, pois sou de outra religião; eu me senti confortável, fui bem tratada, cada momento que passei lá foi maravilhoso, aprendi coisas novas também, ansiosa para o próximo. É possível, sim, parando para pensar, sem me importar com as críticas e com o que os outros falam, é possível sim, tenho que me perguntar se eu gosto de tal coisa, se eu fico feliz em fazer tal coisa, se me sinto bem/confortável, temos que ser honestos com nós mesmos, isso vale para qual profissão quero seguir, meu estilo, entre outras coisas.
Amanda

Minha experiência nas férias foi totalmente diferente do que eu imaginava, além de conhecer pessoas novas tive grandes aprendizados. O tema relatava sobre “ser eu mesma”, e quando eu ouvi esse tema fiquei sem entender. Porém, no primeiro dia fomos convidados a uma roda de conversa em que falamos o que é ser você mesmo com alguém ou em algum lugar. O que mais me marcou nessas férias foi entender o perdão. Pedi para conversar com o padre Emilio para poder descobrir como é que posso dar o meu perdão. Eu disse: “Uma pessoa me pediu o perdão, mas não me sinto pronta para perdoá-lo”. Ele me falou três pontos que tenho certeza que vou levar para vida toda: 1°) A minha decisão está certa; 2°) Perdoar não é fácil; e 3°) Alguém tem que nos perdoar para sentirmos o que é o perdão. A lição que eu vou levar para minha vida é que perdoar tem que vir de dentro. E agora, em todo lugar eu penso: “será que eu estou sendo eu mesma?”
Maria Eduarda

Viver as férias sempre é incrível. O tema foi uma pergunta muito provocadora: “Existe algo que te faz ser você mesmo?” Logo que o tema foi apresentado, não tive dúvidas e a reposta foi: Cristo é quem me faz ser eu mesma. O meu coração continuou inquieto e veio com uma pergunta: “Como é que Cristo faz para que você seja você mesma?” Foi aí então que surgiram rostos, ou seja, companhias que me fazem ser eu mesma, primeiro me acolhendo e depois dando o próprio caminho como exemplo concreto, me fazendo dar conta de que não preciso ser várias pessoas em cada lugar. Na vida é de fato muito mais fácil ser levada pela onda de “todo mundo faz”, porém encontrei pessoas que me ajudam a procurar a correspondência ao verdadeiro desejo do meu coração, a ser eu mesma.
Itana



Essas férias pra mim foram totalmente diferentes das que eu já havia participado. Foi uma experiência totalmente nova e interessante, tanto por causa das pessoas que estavam comigo, como por causa das sensações que aquelas companhias me proporcionaram. Apesar de terem sido dois curtos dias, aprendi muitas coisas novas e presenciei momentos que levarei comigo para o resto da minha vida.
Letícia

Antes de ir a essas férias eu estava muito nervosa sobre meu futuro, onde vou estudar e o que vou estudar. Mas essas férias me ajudaram a relaxar e me concentrar em confiar em Deus, já que ele sempre me irá ajudar nessa longa jornada. É sempre bom ter esse tempo para pensar e para conhecer pessoas com diferentes realidades. Amei muito participar e espero poder continuar participando em atividades como essa.
Almendra

Eu achei uma experiência muito boa, embora eu seja meio fechado e tímido, eu me senti parte daquele pessoal. Uma galera em geral muito engraçada e louca, o povo todo era como uma grande família. Zoavam bastante, mas todo mundo se amava, e eu estava confortável em estar ali passando dois dias com quem gosta. É claro que eu não conversei com todo mundo, por vergonha, mas todos com quem eu falei eram gente boa demais. Foi incrível!
João