Foto de um centro de acolhida exposta na mostra "Acolhidos" (Fotos: Antonello Veneri)

O retrato da acolhida

Em Brasília, a exposição "Acolhidos" registra o percurso de venezuelanos que encontraram trabalho, dignidade e segurança com apoio da AVSI no Brasil

Como você imagina o semblante de quem decide deixar o próprio país em meio à violência, à fome e à falta de condições básicas de vida que configuram um colapso econômico e humanitário? Se o que vem à mente é a imagem de tristeza e de dor, a exposição Acolhidos poderá surpreender!

Vida e esperança é o que prevalece nos rostos e nas cenas capturados pelo fotógrafo Antonello Veneri nos 16 mil quilômetros percorridos entre a Venezuela, o estado de Roraima – por onde os refugiados chegam – e o interior do Brasil, onde encontraram a chance para recomeçar. As fotos compõem a mostra Acolhidos: O percurso da Venezuela à integração no Brasil, que marca a conclusão da primeira etapa do projeto Acolhidos por meio do trabalho desenvolvido pela Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI).

O fotógrafo seguiu, em junho e julho deste ano, os passos dados antes pelos próprios refugiados, começando pelas cidades venezuelanas, passando pelos centros de acolhimento provisórios em Pacaraima e Boa Vista (RR) – onde permanecem até que ao menos um integrante da família seja contratado pela iniciativa privada, na mediação feita pela AVSI – e seguindo até os locais onde estão vivendo e trabalhando, no interior do Brasil. As oportunidades de emprego e interiorização dos refugiados nesta primeira etapa aconteceram em Brasília (DF) e em cidades do interior de Santa Catarina, visitadas por Antonello.

Os centros de acolhida contam com atividades protetivas e de recreação para todas as idades

Na exposição predominam retratos que, ampliados, permitem ao visitante olhar e ser olhado pela pessoa fotografada. De certa forma, Antonello cumpre o desejo implícito de quem posou para ele. «Quando comecei a fotografar no centro de acolhida, em Roraima, os refugiados passaram a formar fila querendo ser olhadas. É raro acontecer assim! Foi emocionante ver pessoas que, vendo outras, chegavam para serem também elas fotografadas, como que dizendo: eu existo, me olhe!» Apostou neste formato porque «a foto em retrato é sincera e quem olha para a câmera nos presenteia», diz Antonello.

«A ênfase aos rostos foi dada para que as histórias tivessem nome, os visitantes pudessem ver a dignidade destas vidas e fossem, ao mesmo tempo, olhados por elas, tornando-se próximos», completa a curadora, Benedetta Fontana.

«As imagens tiveram um impacto forte, principalmente porque ele fotografou muitos rostos, tanto que minha primeira ideia foi chamar a mostra: O rosto dos acolhidos, conta ela. Antes de olhar o material produzido por Antonello, Benedetta estudou o contexto, a crise na Venezuela, documentos sobre migrações, entrevistou migrantes venezuelanos para escutar a sua história, e profissionais envolvidos no projeto de acolhida por meio do trabalho, da AVSI. Só então se debruçou sobre as fotografias, A mostra foi organizada a partir dos quatro verbos que o Papa Francisco indicou para o tema das migrações: acolher, proteger, promover e integrar. «Isso dá justamente a ideia do que o projeto da AVSI faz. Primeiro, acolhe as pessoas que chegam desnorteadas, cansadas, assustadas, sem nada, e as a abraça do jeito que elas chegam. Depois, protege, deixa que elas descansem, recuperem as forças, voltem a acreditar que é possível recomeçar. Em terceiro, promove, ajudar a crescer, retomar a confiança em si e nos outros e, por fim integra, graças ao trabalho, numa nova vida. As fotografias foram escolhidas então seguindo esta lógica: imagens que comunicassem esse caminho, iniciando pelo contexto do qual elas fugiam, a viagem que enfrentaram, o os centros de acolhida, a proteção e a integração nas novas casas, na nova comunidade, no novo trabalho, na nova vida.»

“Repensar a vida”

Dentre os 120 painéis, há também belos registros espontâneos da vida recomeçando no Brasil, de acolhidos já na casa que montaram após conseguir trabalho e recomeçar a sustentar a família. E ainda dois vídeos projetados, com relatos de acolhidos e de profissionais que atuam no projeto.

Antonello diz que ganhou, além do olhar de quem se deixou fotografar, «as histórias destas pessoas». Muitas bem-sucedidas no país de origem, que arriscaram recomeçar em outro lugar. Ficou impactado pela criança que, tendo uma perna só, corria no centro de acolhida; com cadeirantes que também se puseram em fila esperando a vez de serem fotografados; com a menina que chegou para ser fotografada empurrando a cadeira de rodas do irmão deficiente; uma jovem mulher grávida que atravessou a fronteira sozinha; a criança estudando debaixo de um poste de luz; a enfermeira, contratada por lanchonete que sonha em se tornar gerente e montar próprio negócio para cuidar de idosos no Brasil; o economista e professor universitário, hoje empregado como atendente um uma lanchonete de Brasília. «Ver um senhor com mais de 60 anos, professor, que está feliz por ter encontrado trabalho em uma lanchonete no Brasil, nos faz pensar na própria vida», diz Antonello.

Dona Selva Mapunqui, em frente às prateleiras vazias de um comércio local

O fotógrafo não quer romantizar, porém, a realidade que encontrou apesar da beleza das imagens. «Eles [os refugiados] têm uma tristeza, mas encontram motivos para sorrir, como diante do convite para um retrato».”

A realidade latina não é estranha para este profissional que vive há 12 anos em Salvador e atua como repórter fotográfico para agências internacionais de fotografia, como a AFP (Agence France Presse), e que desde 2015 colabora com a AVSI (fez a exposição Do amor ninguém foge, sobre as APACs). «Meu pai também foi migrante, mudou do Sul para o Norte da Itália, e enfrentou o preconceito», conta Antonello para explicar a identificação com as pessoas que fotografou.

A exposição Acolhidos é também uma espécie de documentário deste fluxo de refugiados. Detalhes como um comércio de alimentos com prateleiras vazias não escaparam da sensibilidade do fotógrafo. E ajudam a compor a mostra ao lado de relatos dos próprios acolhidos, sobre a situação que determinou a partida do país para buscar refúgio no Brasil. «Começou a faltar tudo. Faltava energia, gás, comida. As lojas fechavam porque não tinha mais nada para vender e você não encontrava comida para comprar», conta Adriana, que conseguiu trabalho em Blumenau (SC).

A mostra pode ser visitada até o dia 14 de novembro no CCBB Brasília. Depois poderá seguir para outras capitais, ainda a confirmar.