Elton e Dom Guido (Foto: Luiz Henrique)

«Não ardia o nosso coração enquanto Ele nos falava?»

Na capital mineira, a visita de Dom Guido Zendron para apresentar O senso religioso e mostrar, na gratuidade, que «só alguém apaixonado por Cristo é capaz de responder à realidade»
Angélica Bahia e Giovanna Ottoni

Na edição maio/junho da Revista Passos, dedicada ao tema da Caritativa, podíamos encontrar logo na capa a seguinte frase: «Uma vida compartilhada». Abrindo-a na primeira página do Editorial lia-se que, «através da impotência do próprio amor, aprende-se a gratuidade».

No final de semana entre 16 e 18 de junho, a comunidade de Belo Horizonte pôde vivenciar concretamente o significado dessas palavras através da presença do Bispo e grande amigo Dom Guido Zendron, vindo diretamente de Paulo Afonso, na Bahia, para a apresentação do livro O senso religioso, de Luigi Giussani. O evento ocorreu na sexta-feira, dia 16 de junho, à noite, no auditório da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG). O convite que poderia ter se restringido a este momento, considerando a agenda cheia, característica de um Bispo com o seu chamado e função na Igreja, estendeu-se para um final de semana repleto de encontros imprevistos que não o deixaram sossegado por uma horinha sequer.

Já no primeiro dia, para a apresentação do livro, o evento contou com cerca de 120 pessoas presentes e outras 40 online. Como se não bastasse a simplicidade e o fascínio que despertou apresentando as palavras de Giussani encarnadas em exemplos reais de seu cotidiano e de sua história de vida, Dom Guido teve disposição para uma pizza «compartilhada com amigos», que seguiu reunindo diferentes pessoas entorno desse acontecimento.

No sábado logo cedinho ele já estava “a todo o vapor”, disponível para encontrar algumas pessoas da comunidade que dividiram perguntas, dramas e testemunhos de vidas mudadas por essa companhia. Um almoço com amigos, um fim de tarde, noite e quase madrugada na festa junina com os jovens trabalhadores e universitários de CL, tendo começado com um diálogo livre e aberto entre os presentes. Estava ali um homem “humano”, desejoso de escutar cada pergunta e colocação, irreconhecível nos moldes de um pastor da Igreja que costumamos formular com nossos preconceitos. Foi um bate-papo sério e, ao mesmo tempo, nada formal! Sem sombra de moralismo, a própria experiência vivida! Era impossível não “se sentir em casa”, até para aqueles que vinham pela primeira vez.

O domingo também começou cedo. Angélica levou Dom Guido para encontrar-se com um grupo de Fraternidade que foi formado há pouco tempo. Mais humanidade e mais “beleza desarmada” para quem participou. Emendaram-se a missa da comunidade e uma festa pelos 60 anos do Marquinho, que era o responsável da comunidade de Belo Horizonte nos últimos anos. A aventura quase atingiu o embarque do aeroporto de Confins! Na sua despedida, vimos um homem incansável como só alguém apaixonado por Cristo é capaz para responder à realidade.



Dom Guido compartilhou conosco a origem e os frutos dessa amizade:

No mês de agosto de 1992, fui convidado para conhecer Padre Virgílio Resi que estava passando as férias na minha região, na Itália. Depois de algumas resistências por causa dos compromissos paroquiais, decidi seguir a insistência dos amigos e assim passei dois dias com ele. No momento da despedida, ele olhou para mim e me perguntou se eu não gostaria de fazer uma experiência missionária no Brasil. Com a mesma simplicidade com a qual colocou a proposta, que podia mudar o rumo da minha vida, me coloquei logo à disposição, dependendo unicamente da aprovação do meu Bispo, que me deixou partir. Desde janeiro de 1994, quando me transferi para Salvador, estou vivendo, entre altos e baixos, as consequências daquele convite e daquela resposta. No início de maio, Angélica, responsável da comunidade de Belo Horizonte, mandou uma mensagem com o convite para apresentar o livro O senso religioso em Belo Horizonte. Fiquei maravilhado e um pouco assustado, mas dei a minha disponibilidade, pois reconheci mais um gesto de paternidade e ternura do Padre Virgílio, que queria me proporcionar a possibilidade de um novo início, a fim de que o carisma não se torne para mim, com o passar do tempo, uma inspiração a qual recorrer em certos momentos, mas sim a experiência de um encontro que determina a vida no cotidiano. E a experiência foi além de qualquer expectativa, não tanto a respeito do resultado, mas na vivência e partilha da vida, desde as coisas mais simples até as mais dramáticas que as pessoas vivem. A disponibilidade de padre Giovanni Vecchio em me levar de um encontro para o outro partilhando comigo momentos da sua história e da história do Movimento, a presença de padre Tom que me ajudava a reconhecer a beleza e a força do carisma na vida de tantas pessoas, a imediata correspondência com Angélica que me fez sentir logo parte da família da comunidade local, fizeram acontecer o que o meu coração desejava, mas que nem sempre deixava vir à tona como aconteceu naqueles dias. Mais uma vez retomar a leitura de Giussani no livro O senso religioso com os amigos e ter a coragem de aderir àquilo que nos é proposto, é o caminho mais simples para conhecer a nós mesmos e o significado profundo e positivo da realidade.
Obrigado, Padre Virgílio, porque convivendo no Céu com o Cristo que amaste e seguiste na terra, fazes com que aquela pergunta com a qual me chamaste trinta anos atrás, se torne contemporânea através da companhia humana que cresceu a partir do teu testemunho.
+ Guido Zendron



Abaixo estão os relatos de alguns amigos que desejaram compartilhar o que vivenciaram durante a recente visita de Dom Guido a Belo Horizonte:

A história de Dom Guido com a comunidade de BH vem de longa data! Como ele mesmo nos contou, foi o padre Virgilio Resi (1951-2002) quem o convidou para vir morar no País. Durante a pandemia, em 2020, este laço de amizade se estreitou. Tempos atrás, em uma visita à cidade de Montes Claros para celebrar o aniversário de fundação de outro Movimento Eclesial, convidado por seus fundadores (fato este que nos fala muito sobre o jeito de ser de Dom Guido), ele procurou saber junto à Secretaria Nacional se havia alguém da comunidade de CL morando na cidade. Soube então que havia três amigos nossos lá e fez questão de encontrá-los para um jantar. Como tudo «nasce na beleza do encontro», ali começou um relacionamento que perdura até os dias de hoje. Quando veio a pandemia e começaram os encontros online das Escolas de Comunidade, os amigos de Montes Claros que participavam conosco convidaram Dom Guido para se juntar ao grupo. Ele não só aceitou a proposta, como também trouxe outros amigos leigos, seminaristas e jovens padres para participar conosco. Viramos uma Escola de Comunidade Minas com Bahia! De repente, tínhamos gente de Belo Horizonte, Montes Claros, Canudos, Salvador, Paulo Afonso, Jeremoabo e até um cubano que era seminarista de Dom Guido. Nossa Escola de Comunidade era rica em sotaques e costumes. Naquele verdadeiro sentido de compartilhar a vida, por exemplo, dávamos muitas risadas sobre quem amava ou quem odiava o cuscuz. Era assim, vivenciando Cristo na realidade, que acompanhamos um amigo que estava afastado da vida religiosa retomar sua vida cristã, tendo seu casamento celebrado pelo próprio Dom Guido. Também pudemos acompanhar à distância a ordenação de padres de sua Diocese, aprendemos a tomar licor de jenipapo esperando quem sabe um dia dançar nas festas juninas do Nordeste. Sendo companhia uns para os outros, simplesmente, não vivemos o vazio que a pandemia poderia ter nos logrado. Com a volta dos encontros presenciais, o grupo de Escola de Comunidade naturalmente se dividiu entre o presencial, com reuniões em Belo Horizonte, e o 100% online. Neste último ainda estão presentes alguns dos amigos que Dom Guido nos apresentou. A amizade que construímos naquele tempo de pandemia tornou-se um vínculo que nos une independente da distância. Como disse o Papa Francisco à época: «Pior do que esta crise, só o drama de a desperdiçar, fechando-nos em nós mesmos». Não nos fechamos, mas levamos a Escola de Comunidade para além dos limites do estado. Nosso amigo Dom Guido nos apresentou a tantos outros que hoje podemos também chamar de amigos. Assim a ideia de convidá-lo para a apresentação do livro O senso religioso nasceu, de forma inesperada e imprevista, como é próprio do método de Deus.
Angélica e Lucinete

Logo de início queria dizer «muito obrigado, Dom Guido, por nos ajudar a entrar na experiência viva do carisma de Dom Giussani». Eu, e também muitos, se perguntam: por que fazer a Escola de Comunidade tendo como texto o livro O senso religioso, sendo que já deve ser a quinta ou sexta vez que usamos esse livro? Bom, Dom Guido nos ajudou a entender quando afirmou a importância de redescobrir ou reaprender o valor da dimensão do humano que trazemos em nós: O que sou, qual meu fim, qual o sentido da vida, da dor, do sofrimento. Nos ajudou, com sua presença, a nos compreender a partir das exigências e necessidades que somos constituídos: exigência de amor, de verdade, de felicidade, de realização. O que nos surpreendeu nesses dias foi o desejo de Dom Guido de estar em nossa companhia. Poderia ter vindo, feito a apresentação do livro e voltado no mesmo dia para sua Diocese. Mas não! Quis passar um fim de semana todo conosco, se fazendo presente nos vários encontros programados, com a comunidade toda, com os responsáveis, jovens, na Fraternidade, na missa e no almoço do aniversário do Marquinho. Foram momentos de uma verdadeira amizade, onde, confesso, me fiz como Maria, irmã de Marta, fiquei aos pés de Jesus! Sim, queria estar com todos os meus amigos, perceber a Presença de Cristo tão vivo e belo naquela amizade. Falava todo dia para a Angélica que ao final do dia ia dormir feliz! Naquela amizade está a resposta àquilo que eu sou, que meu coração deseja. Dom Guido nos repetiu várias vezes: «Fiquem fiéis ao método de Cristo, isto é, fiquem fiéis à companhia entre vocês. Não se apressem de dar logo respostas a tudo, fiquem juntos como amigos na companhia de Cristo. É Cristo, será sempre Cristo a realizar o desejo do nosso coração». Como os discípulos de Emaús, também meu coração nesse final de semana ardeu «enquanto Ele nos falava»! Obrigado, Dom Guido.
Pe. Tom

A ideia de Comunhão me arde sempre o coração. No sábado amanhecemos com um céu cinza, e eu tive receio de cair alguns pingos durante nosso bate papo com os universitários (CLU) e Dom Guido. Chegamos em 5 pessoas e logo dividimos as tarefas, alguns para a cozinha e outros para a decoração. Era muita coisa para fazer em pouco tempo, mas apesar disso estávamos tranquilos e em harmonia. Tudo se ajeitou! Eram grandes expectativas para um grande convidado. Eu saí de casa para servir. Pouco antes de ir até o CEDUC pegar as panelas me veio a memória de uma passagem da Bíblia: «Jesus gostava muito de servir ao próximo. Ele foi o perfeito exemplo de serviço. Ele disse: Entre vós sou como aquele que serve» (Lc 22,27). Todos chegaram, o bate papo começou e a chuva não caiu. Um verdadeiro alívio. Cantamos, dançamos e sorrimos com muita pureza. Cristo se fez presente nos mínimos detalhes! O CLU me faz uma pessoa melhor, me deixa mais perto de Cristo! Contem comigo sempre que precisar, para mim vai ser sempre uma honra compartilhar o tempo com vocês.
Rebeka

Quando recebi a informação do lançamento do livro, de maneira automática fiz o “agendamento” da data no celular, pensei na minha logística e passei para o próximo item da minha lista de tarefas. Como Cristo conhece meus limites e minha miséria, ao encontrar meus amigos na Escola de Comunidade, algo aconteceu e o mesmo convite me tocou de modo diferente e logo perguntei para a responsável se teríamos um momento com Dom Guido. Dias depois outro convite surgiu: um café com o Bispo. Ah! Foi como tocar no manto de Cristo! Cristo que me abraça, abraça minha miséria através dos meus amigos, Aquele que abraça minha filha (com todos os dramas da adolescência), que dá sentido ao meu trabalho de psicóloga diante dos dramas de cada cliente que recebo. Meu coração começou a esperar aquele momento tão desejado, mas não pensado por mim! E como as promessas são cumpridas em plenitude num momento do cotidiano, o encontro para o café foi investido pela Onipotência do amor de Cristo por cada amigo, inclusive para aquela que manda a pergunta e é abraçada na sua totalidade. Quando encontrei CL, o texto trabalhado era O senso religioso, e a experiência com aqueles primeiros, e muitos ainda vivem a fidelidade ao carisma, me permite ser “o que sou”. Sem tirar nada daquilo que vi, vivi e ouvi; nem as bobagens que fiz! Este é um lugar feito por pessoas comuns, frágeis, com dramas potentes por abraçar, acolher e acariciar como o Nazareno. Sou grata a Deus pela fidelidade de Dom Guido e de cada amigo ao carisma do Movimento. Sem essas pessoas eu vivo menos. Veni Sancte Spiritus!
Ana Paula