
Você entregaria sua vida por algo que ama?
Em Salvador, um encontro com o grupo de Colegiais para falar das questões profundas do homem a partir da pintura e do jazz. Um percurso sobre as perguntas que cada um carrega e a busca de respostas“Existe algo que você amaria tanto a ponto de entregar sua vida por isso?” Essa foi a pergunta que Otoney Alcântara, advogado e responsável regional de Comunhão e Libertação (CL), lançou ao grupo de Colegiais do Movimento de Salvador no encontro promovido no sábado dia 17 de maio. Uma pergunta simples, mas capaz de provocar um verdadeiro terremoto interno. A palestra, realizada num auditório da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), tinha um objetivo claro: instigar os jovens a refletirem sobre o sentido da própria existência. “Por que eu existo?”, “O que corresponde a esse sentimento dentro do meu peito?”, “O que me faz continuar?”. Questões profundas que foram abordadas por meio da linguagem da arte – expressão universal da vida.
Quando a arte revela o coração
O primeiro elemento trazido por Otoney foi o quadro Number One, de Jackson Pollock – pintor norte-americano, ícone do expressionismo abstrato. Pollock foi um artista genial, mas profundamente atormentado. Otoney explicava que, após a Segunda Guerra Mundial, o mundo inteiro buscava respostas, e Pollock tentava encontrar a dele por meio da pintura.
“Quem responde a esse sentimento?” – é a pergunta silenciosa que vibra em cada pincelada. No emaranhado de tintas e gestos, Pollock expressava o que havia de mais íntimo e confuso dentro de si. Suas obras não são apenas arte: são testemunhos existenciais, como espelhos de nossa própria condição humana. Era como se dissesse: “Esse sou eu. Essa é a minha bagunça interior”. E, nesse gesto, ele se encontra com todos nós. Porque dentro de cada um de nós, também há perguntas sem resposta.
Para muitos estudantes presentes, a experiência foi mais do que inspiradora – foi transformadora. Thayna destacou a originalidade do tema: “Achei o tema muito interessante. Não é algo com que a maioria tem contato no dia a dia, e nem facilidade para entender, mas com as explicações de Otoney tudo ficou mais claro. As informações nos ajudaram a compreender melhor a mensagem dos artistas, relacionando com o tema principal”.
Izabela achou a temática provocadora e reflexiva, o que ficou evidente em seu relato: “Gostei da temática, pois me fez pensar e analisar os momentos mais recentes que tenho vivido. Durante a palestra, num primeiro momento estava um pouco perdida, mas no final, ao ouvir as músicas e a analisar a letra, meus pensamentos ficaram claros, foi uma reflexão que não tive, até então, a oportunidade de praticar”.
Brenno compartilhou: “Acho que esse dia foi muito importante pra mim porque foi um momento em que consegui refletir sobre algo que eu passei na minha vida, que foi muito parecido com o que o artista viveu. Eu tinha deixado essa questão para trás, e ontem consegui voltar a ela. Não só o momento de ontem, mas todos os dias do Movimento foram fundamentais para esse reencontro comigo mesmo. Eu só tenho a agradecer”.
Já Matheus ficou impactado com a maneira como Otoney ligou arte, identidade e existência: “Achei inovadora a visão de Otoney sobre o existir como identidade atrelada à desordem da obra de arte. Aquele grito ligado à expressão que não consegue se sobressair a algo ainda mais primitivo. Ele nos orientou a abraçar a arte como uma forma pura de afeto – um combustível para continuar encontrando sentido. É o mais próximo de entregar a vida por algo: a expressão e a satisfação pessoal”.
Otoney declarou que o quadro de Pollock, por mais confuso que parecesse, retratava a face primitiva do “eu”.
Miles e Coltrane: duas respostas, dois caminhos
Em seguida, Otoney nos apresentou dois gigantes do jazz: Miles Davis e John Coltrane. A primeira música foi So what?, de Miles – considerado o “Pelé do jazz”. O título, traduzido, seria algo como “E daí?”. Otoney dizia que, nessa música, Miles expressava a mesma tensão e leveza de Pollock. A mesma pergunta sem resposta. O mesmo abismo. E nos convidou a ouvir So what? com liberdade, deixando a dúvida fluir com os sons. Em suas palavras: “O gênio expressa mais de mim do que eu mesmo sei de mim”.
Mas então veio A love supreme, de John Coltrane – e tudo mudou. Otoney nos disse que alguns afirmavam que esta é a maior obra musical do século XX para louvar a Deus. Uma obra que não responde mais com “E daí?”, mas com “Amor supremo!” Se em Miles há dúvida e enfrentamento, em Coltrane há entrega e certeza. A música de Coltrane não é só arte: é oração. É resposta. É a experiência viva de alguém que encontrou em Deus a fonte de tudo. O amor supremo é o amor de Deus. E, de forma quase silenciosa, mas profundamente verdadeira, Otoney nos mostrou que a resposta à pergunta inicial está ali. Sim, existe algo que vale a vida inteira. É o amor que Cristo tem por nós. É o amor com que Ele nos convida a viver.
Daniela, uma das mães presentes, revelou a profundidade dessa vivência: “Participei com dificuldade porque foi um sábado de trabalho. Cheguei com dor de cabeça, mas com muito desejo de entender tudo. Sentia que era uma experiência especial que o Senhor estava me dando. Não sei nada sobre jazz. Entendo muito pouco de arte. Mas tudo foi fazendo sentido, à medida que Otoney nos guiava. Imagine entender que o meu coração é igual ao coração do gênio ou do artista? Serei sempre grata a esta companhia que não nos mede por baixo, que propõe o que tem de melhor, de mais fino, para mim, para minha filha, para os jovens. É assim que Cristo vive”.
Essas palavras se somam à experiência de tantos outros que se viram refletidos na arte, na beleza e na possibilidade de uma resposta maior do que o vazio. Pérola resumiu sua experiência da seguinte forma: “O encontro foi muito legal. De primeira, confesso que estava meio perdida. Mas, conforme a palestra foi se desenvolvendo, eu fui entendendo melhor. Achei legal como o Otoney se encontrou por meio das artes abstratas e do jazz, e nos explicou de forma clara como isso aconteceu. Interpretei que tudo o que ele falou foi uma forma de fazer a gente refletir e se encontrar em algo que possa responder às nossas perguntas – igual a como ele conseguiu com o jazz e com as artes”.
Mirelle teve sua primeira experiência com o jazz e ficou fascinada. Em suas palavras: “Eu nunca tinha ouvido jazz porque achava que não ia gostar, mas no sábado, quando tocou e falou sobre A love supreme, de John Coltrane, fiquei surpreendida com cada nota. Depois disso, passei a ver o jazz com outros olhos e ouvidos. Nunca pensei que poderia ter um significado tão bonito”.
No fim das contas, a arte, a música, a beleza – tudo isso nos leva a um lugar maior. A um amor maior. A pergunta continua: “Existe algo que você amaria tanto a ponto de entregar sua vida por isso?” Mas agora, iluminados pela beleza e pela escuta, muitos de nós conseguimos enxergar a resposta: “Sim. Existe. É o amor de Deus. É Cristo. É o único capaz de dar sentido a tudo”.