
A vida como caritativa
Há alguns meses, no Rio de Janeiro, foi realizado um encontro para conhecer as Irmãs de Caridade da Assunção. Elas realizam um “trabalho invisível” com as famílias, a partir da assistência a enfermos, crianças com dificuldades e idosos“O simples fato da repetição de um gesto é o que dá certeza ao menino: ‘eu existo’”. Com essas palavras suaves, mas impactantes, a irmã Valentina Montali, da Congregação das Irmãs da Caridade da Assunção, testemunhou como é a vida quando ela é totalmente voltada à caridade. Junto com ela, as irmãs Elvira Dongu e Mariangela Marognoli participaram do encontro A Vida como Caritativa, promovido, em abril, pela comunidade de Comunhão e Libertação do Rio de Janeiro, e contaram como vivem a experiência da entrega total ao outro e, por consequência, a Cristo.
O carisma da Congregação se materializa em ações discretas, mas repletas de sentido, como levar crianças à escola, preparar o café da manhã, cuidar dos doentes e idosos, acolher imigrantes e acompanhar famílias em momentos críticos. “Começamos sempre a partir daquilo que existe. Nossa missão é realizar gestos simples e cotidianos, nos ocupamos de afazeres do dia a dia, como levar as crianças à escola e ajudar a estudar, mas também compartilhamos necessidades mais complexas, como o cuidado com os doentes, com pacientes terminais, o sustento com necessidades específicas. Isso tudo fazemos sempre nas casas das famílias, no coração da família”, explicou irmã Valentina.
Com um olhar que vai além das aparências, elas são capazes de encontrar beleza onde muitos só veem limites. “Nós olhamos os recursos disponíveis, partindo do fato positivo, mesmo que seja quase imperceptível, mas que tende a se alargar, por osmose, e vai dominando tudo. Encontramos famílias cujas necessidades são tão grandes que nos parece que fazemos pouco. Outras vezes iniciamos de um aspecto pequeno, mas, no tempo, descobrimos que aquele gesto humilde de partilha respeita a normalidade da família”, complementa a religiosa.
Criada a partir do carisma de dois grandes nomes da Igreja – Padre Pernet e Dom Luigi Giussani –, as irmãs de Caridade da Assunção vivem sua vocação no coração das famílias, em gestos silenciosos, porém, poderosos, de amor e doação cotidianos. “Fomos colocadas juntas para uma tarefa: refazer um povo para Deus, entre os pobres, entre os que vivem o mal-estar, os doentes”, explicou a irmã Mariangela, ao falar sobre o nascimento da congregação.
Ela lembrou a profunda sintonia entre Pernet e Giussani e o ponto em comum entre eles: a paixão para que Cristo fosse encontrável através da partilha da vida. “Nós somos um exemplo, um testemunho vivo da verdade das palavras que Dom Giussani escreveu ao Papa São João Paulo II, em ocasião dos 50 anos do Movimento de CL: ‘nunca desejei fundar nada, mas considero que a genialidade do Movimento tenha sido de sentir a urgência de proclamar a necessidade de voltar aos aspectos fundamentais do cristianismo. A paixão pelo fato cristão como tal’. O fato de construir o Reino de Deus é tornar concreta a presença de Cristo no mundo”, diz ela.
As Irmãs, que atuam em cidades como Nápoles, Roma, Milão e Madri, também compartilham o dia a dia com jovens em espaços educativos chamados Pós-Escola, onde promovem atividades pedagógicas e culturais com a participação ativa das famílias. “A partilha é o que permite às pessoas redescobrirem sua dignidade, encontrar o próprio eu. Mas também é uma possibilidade para mim, para nós, irmãs”, diz Elvira.
A religiosa conta a história de uma criança acolhida pela congregação, que veio de Serra Leoa com a família fugindo da guerra. Ela se preocupa muito com os estudos, pois tem dificuldades com a língua italiana, conta a religiosa. “Essa criança sempre estava triste, mas eu não entendia o porquê. Um dia chegou e jogou com força a mochila. Aquilo me comoveu muito, e eu disse: eu entendo que é difícil para você estudar, e você está entregando a mim o peso de sua mochila. Mas lembre-se que não está sozinho, eu estou aqui e posso te acompanhar no cansaço do estudo. Esse exemplo que conto é muito importante para mim, porque expressa de forma figurativa o que é a partilha: compartilhar o peso e a vida das pessoas.”
Apesar de todo o bem que realizam, as dificuldades também existem, especialmente na manutenção econômica da missão. “O problema é que nosso trabalho é invisível. É difícil entender por que é importante buscar uma criança todos os dias na escola. O mundo não dá valor a essas pequenas ações cotidianas”, disse uma das irmãs. Ainda assim, elas seguem confiantes na providência e abertas aos sinais de Deus.
Provocado pela beleza dos testemunhos naquela noite, Alexandre Ferraro, responsável nacional de CL, lembrou de sua primeira experiência de caritativa, quando visitou uma casa humilde e desorganizada. Inicialmente chocado com a miséria do ambiente, foi surpreendido pelo olhar de um amigo de CL, que lhe disse com total simplicidade: “Você reparou como as panelas estão brilhando?” Ali, naquele pequeno detalhe, estava o sinal de dignidade e amor daquela mãe pela sua casa e seus filhos. Esse novo olhar sobre a realidade, como bem definiu Ferraro, é fruto da vivência da caridade, “não como assistencialismo, mas como um caminho de inteligência e amor novo”. Um caminho que transforma tanto quem recebe quanto quem serve.
Ao final do encontro, o sentimento de beleza e gratidão foi unânime, como destacou Walter, responsável de CL no Rio de Janeiro. “A presença de vocês aqui é uma grande graça. A experiência de cada uma provoca profundamente a nossa própria experiência.” Na simplicidade de seus gestos, as Irmãs de Caridade da Assunção testemunham algo revolucionário: a presença viva de Cristo no mundo, como sonhavam seus fundadores. Isso se reflete na oração que dizem antes de cada visita: “Senhor, me coloco nas mãos da Tua vontade, para a Tua Glória e para a salvação do próximo. Manifeste a mim aquilo que devo ver, inspira aquilo que devo dizer, sustenta-me em tudo o que devo fazer.”