
Aprendendo a amar gratuitamente
A caritativa é um dos gestos fundamentais da experiência de Comunhão e Libertação. Como ajuda a recuperar seu valor, uma assembleia de testemunhos em São PauloA comunidade de São Paulo se reuniu no início de agosto para uma assembleia sobre o gesto da caritativa. O ponto de partida do encontro foi o texto do livrinho O sentido da caritativa, de Dom Luigi Giussani, e algumas perguntas: “Como tenho vivido o gesto da Caritativa neste tempo? O que tenho aprendido?” Os testemunhos daquela tarde nos ajudam a aprofundar o sentido do gesto.
Em primeiro lugar, várias pessoas destacaram a importância de se manterem fieis ao gesto, mesmo com as dificuldades de tempo ou nas propostas do que realizar. “A fidelidade ao gesto me educa, pois mesmo oscilando, tropeçando ou usando os critérios do mundo, com a ajuda dos amigos, dentro dessa companhia, somos capazes de retomar e olhar para alguém que me corrige”, destacou Rafael.
Gleyson contou que ao longo de mais de 30 anos no Movimento, a caritativa sempre foi para ele uma experiência de certeza e salvação. Mesmo quando difícil ou pouco prazerosa, sempre lhe revelou o quanto é amado e como esse amor é para o mundo. Atualmente, Gleyson e um grupo de amigos foram chamados a acompanhar famílias venezuelanas refugiadas que chegaram a São Paulo para trabalhar após passarem por abrigos em Roraima e Brasília. “Enfrentamos muitos desafios: conflitos entre famílias, busca por assistencialismo, dificuldades logísticas. Ainda assim, vivemos momentos belos, como o pedido para ser padrinho de batismo dos filhos de um casal que acompanhamos”, disse. No entanto, apesar de bonita, essa experiência não deixa de ser exigente: “Saímos de casa pela manhã e voltamos no fim da tarde, a cada dois meses”. Por vezes, inclusive, houve momentos em que não havia regularidade na frequência do gesto, e Gleyson pensou em parar. Mas ao conversar com Francesco Tremolada, responsável diocesano da comunidade de São Paulo, e outros amigos, foi sempre convidado a seguir, não por obrigação, mas por fidelidade a uma relação que nasceu. “Essa consciência se aprofundou após uma conversa na Escola de Comunidade, quando percebi que o convite não era ‘fazer caritativa’, mas dizer ‘sim’ a algo que nos aconteceu”, relata. “Desde então, retomamos os encontros. Visitamos a família, almoçamos juntos, conversamos sobre saúde, trabalho, filhos...”. Por fim, finalizou o relato dizendo: “Agradeço a todos os amigos que nos ajudam a permanecer fiéis. Peço que rezem por nossa caritativa, para que esse ‘sim’ que damos, mesmo sem compreendê-lo totalmente, construa algo grande e misterioso”.
Regina relatou que sua experiência de caritativa na Associação Estudo e Trabalho tem ajudado a construir uma amizade entre as pessoas que trabalham na obra e que ajuda a construir um olhar que leva a considerar de verdade o outro, que cada detalhe da aula preparada é em função do relacionamento com os estudantes. E que tem se dado conta cada vez mais de que sua participação na caritativa é, antes de qualquer coisa, para responder primeiro a uma exigência que é dela.
Na mesma linha, Ismael, contando de sua caritativa em encontrar pessoas que participam de uma ocupação habitacional, disse que aprende cada vez mais “a olhar para as pessoas como Cristo nos amou”, e Eduardo, contando sua experiência com os colegiais, disse que para ele o gesto tem o educado a estar disposto a se doar cada vez mais pelo outro.
Ubiratan, por sua vez, ao falar da distribuição de alimentos para pessoas necessitadas, destacou em primeiro lugar que a caritativa é aceitar a provocação de um chamado e dedicar um tempo dele ao gesto. Depois, que ele tem aprendido a olhar para a fome e o sofrimento não como um discurso, mas como realidade diante dos olhos. E a caritativa é uma possibilidade real de ajudar a solucionar esse problema. “É verdade que a ação desenvolvida não vai resolver o problema da fome, mas é uma possiblidade real para aquelas pessoas, é o alimento que essas pessoas têm naquele final de semana”. Além disso, “participar da caritativa tem sido buscar em Cristo o sentido do sofrimento humano. Olhar para aquelas pessoas sentadas na praça comendo tem sido uma coisa muito misteriosa, e muito satisfatória”.
Carolina contou da experiência que a comunidade de São Bernardo tem feito ao preparar um café da manhã para os imigrantes quando eles buscam uma cesta básica distribuída pela paróquia da Matriz. “Propomos coisas tão simples que parecem pouco perto do tamanho da necessidade do mundo. Mas, vejo que algumas pequenas coisas começam a acontecer primeiro em mim. A primeira delas é a fidelidade. A gente tem tanta coisa para fazer na vida, agendas nossas, dos filhos… mas para mim, esse momento se tornou central. É, em primeiro lugar, minha responsabilidade responder a ele. Também a atenção aos detalhes do gesto. A caritativa não começa no sábado, quando ela está marcada. Mas na noite anterior quando dedico, pelo menos duas horas que seriam de descanso para preparar a minha parte do café da manhã”, contou. Por fim, destacou que tem aprendido a responder com serenidade cada um dos desafios impostos, também de relacionamento com as outras pessoas que organizam a entrega. “Isso para mim é um desafio, pois tenho controle zero sobre o que vai acontecer e só me resta obedecer. Mas é nessa obediência meu relacionamento com Cristo se torna cada vez mais familiar, mais íntimo”.
Valentina contou de uma experiência vivida na última caritativa com os universitários (CLU), quando eles cuidam das crianças durante a missa, e duas das crianças não quiseram aderir a proposta feita, mas que isso não a determinou. “Isso me fez pensar a minha relação com Cristo: que mesmo quando eu não estou nem aí para Ele, continua me amando. A caritativa tem sido para aprender isso: amar gratuitamente, como Cristo me ama. A caritativa é um momento em que me descubro amada, e, cuidando, me percebo cuidada”.
Rafael, por fim contou que ficou muitos anos sem fazer caritativa, mas depois de ter retomado nesse ano a experiência em São Bernardo, percebeu que é um gesto que lhe permite se tornar mais íntimo do Mistério, mais amigo de Cristo por isso a caritativa tem sido um presente. “Faço caritativa porque sou amado, e por sentir esse transbordamento de amor, quero passar adiante.” Citando a encíclica Deus caritas est, de Bento XVI, Rafael destacou a expressão usada pelo pontífice para sublinhar a importância social do amor, que é a “dedicação pessoal amorosa”. “Eu carrego essa expressão no canto dos olhos sempre, porque é justamente no relacionamento com outra pessoa na caritativa – que tem os mesmos desejos que eu, de amar e ser amado, que tem suas exigências, que podem ser diferentes das minhas muitas vezes, mas nós dois somos necessitados –, que eu percebo que da mesma maneira que eu fui amado por alguém, Deus pode se manifestar nesse relacionamento”. E é essa dedicação pessoal amorosa que pode salvar o mundo, porque permite uma fresta para o Mistério entrar. E isso vai mudando a mentalidade, aos poucos, devagar. “Mas um milímetro já é muito”, completou.