Um presente de Páscoa
Angélica levou a sério o desejo de ajudar os venezuelanos. Descobre um grupo abrigado em Belo Horizonte e vai ao encontro deles. Uma oferta e um aprendizado, que agora mobiliza outros amigos tambémHá algum tempo estou muito incomodada com a situação dos venezuelanos, nosso país vizinho, nossos irmãos em uma situação de muita vulnerabilidade, chegando a ponto de terem que deixar o país e se refugiarem em outros. Nesta quaresma, em especial, o incômodo se agravou. Tinha parado de fazer caritativa há algum tempo e sentia falta, precisava me encher desta necessidade. Também ouvi por várias vezes e queria levar a sério as indicações da quaresma (oração, jejum e caridade). Logo pensei, posso oferecer como jejum me privar de compras desnecessárias (roupas, sapatos, etc) e fazer uma doação aos mais necessitados. Voltei a trabalhar depois de mais de um ano desempregada e pensava no quanto o Senhor foi cuidadoso comigo, não deixou faltar nada para mim e para minha família, aprendemos até a usar melhor nosso dinheiro. Sentia também a necessidade de retribuir de alguma forma este carinho que Ele teve comigo. Mas, como queria encontrar os venezuelanos, comecei a pedir ajuda a várias pessoas que tiveram algum contato com eles ou que sabiam de alguém que poderia saber, até que o Milton me enviou um contato de uma pessoa do Movimento dos Focolares que me ajudou a chegar até eles. Mandei uma mensagem e rapidamente fiquei sabendo das necessidades imediatas – alimentos perecíveis – e também onde estavam alojados. Escrevi a algumas pessoas da comunidade e me dispus a recolher os alimentos e levar para eles. Combinei com minha irmã (Nilda) e com Verônica para levarmos juntas as doações.
Chegamos à porta e tinha duas pessoas conversando, perguntamos onde estavam hospedados os venezuelanos e descobrimos que um era Padre Marcelo (um dos Jesuítas responsáveis pela comunidade de refugiados) e o outro era Jorge, um dos venezuelanos. Logo nos apresentamos, dissemos sobre as doações e que gostaríamos de conhecer os venezuelanos que ali estavam. Padre Marcelo nos disse que estavam procurando emprego para Jorge, que era um dos poucos que ainda não tinha conseguido. Jorge começou a falar o que poderia fazer, capinar lote, serviço de pedreiro, almoxarife, segurança, podia fazer de tudo, queria mesmo era o trabalho. Fiquei impressionada com ele, com sua vontade de trabalhar. Conhecemos mais 3, um deles se ocupava do almoço e nos cumprimentou e logo saiu, e os outros dois ficaram mais um pouco, falavam pouco, Jorge era quem mais falava, nos contava da situação dele e dos outros amigos, das famílias que ajudavam na Venezuela, das famílias que estavam separadas, parte em Boa Vista (RR) e parte aqui, aguardando que eles conseguissem um emprego e uma moradia para que pudessem, ainda não sabiam como, trazer os entes.
José Ramon nos contou que atravessou a fronteira andando, foram 3 dias de caminhada. Sua mulher e dois filhos (4 e 6 anos) ficaram em Boa Vista e o outro filho, mais velho ficou com a avó na Venezuela. Ele começa a trabalhar esta semana com carteira assinada, mas o pensamento é um só: enviar dinheiro para os parentes na Venezuela e trazer a família para perto. Entendi que aquela casa de homens é talvez até mais sofrida que a casa com as famílias (no Bairro Campo Alegre), pois aqueles homens ali, sozinhos, têm uma responsabilidade muito grande. E se eles fracassarem? E se o emprego não chegar? Estão aqui, sendo ajudados, deixaram tudo para trás e são a esperança da família. Nossa, eu que enquanto desempregada, nunca tive que passar por isto, que Graça recebi!
Na casa de acolhida dos Jesuítas eles podem ficar por 3 meses, já faz mais de 2 que estão ali, hoje são 6 pessoas na Rua Sergipe, conseguem o emprego e vão se organizando para mudar, pelo que pudemos entender dividem até a casa. Por isto também a pressa pelo emprego, pois não sabem o que será deles se o emprego não vier. Vão para outra cidade do Brasil? Voltam para Boa vista? Voltam para a Venezuela, sem nada? Que drama! Percebi no relato deles uma grande ansiedade.
Eles nos disseram que nunca ninguém foi lá para saber como eles estavam, do que precisavam, que apareciam pessoas querendo saber da situação da Venezuela, para criticar Maduro, para saber quando ele vai cair e até pessoas que queriam praticar o espanhol; mas que nunca foram olhados assim! E nos disseram: até frutas vocês trouxeram para nós (fiquei comovida).
Penso agora o quanto aprendi com estas pessoas simples e sofridas. Foi um grande presente que recebi nesta Páscoa! Cristo vivo e ressuscitado está na realidade e precisamos só nos lançar para que seja uma oportunidade para a minha vida também.
Transcrevi o currículo de Jorge e enviei aos meus amigos pedindo que cada um se dedicasse a ajudá-lo e que ficassem atentos às oportunidades para que possamos indicá-lo.
Angélica, Belo Horizonte (MG)