Casa Novella. Quem chega é hospedado no coração

Durante a pandemia, a Casa Novella, que acolhe crianças em risco, virou a nova casa de Elma, uma das funcionárias, que nos conta como foi mudar-se para lá após decidir atender ao chamado de cumprir com mais responsabilidade a sua missão

Trabalho na Casa Novella, uma casa de acolhida para crianças de 0 a 6 anos em situação de risco pessoal e ou social sob medida protetiva, e quero compartilhar com vocês minha experiência neste período de pandemia em função da covid-19.

De repente uma mudança radical no nosso cotidiano. Mudança que a princípio causou um susto, um desiquilíbrio, um medo, uma incerteza diante do que estava acontecendo e do que estava por vir. A única informação que eu tinha era que o mundo estava sendo invadido por um vírus desconhecido, porém letal. Vi escolas, creches, comércio, tudo fechando, muita gente dizendo que todos precisavam ficar em suas casas para se salvar. E eu? Poderia ficar em casa? Diante desta avalanche de sentimentos a única certeza que eu tinha era que estava sendo chamada a cumprir com mais responsabilidade a missão pelo qual meu coração gritava e escancarava para mim mesma, que era o desejo de amar incondicionalmente aqueles que me foram dados para cuidar e ficar com eles.

Na minha cabeça eu não tinha que pensar, e sim estar, já que crianças e adultos colaboradores precisavam de alguém para seguir e não poderia ser alguém que de casa iria dar ordens, mandar ou falar, pois pedir é muito fácil, mas não é o que corresponde ao coração. O que realmente nos corresponde é pôr-se em ação, “fazer com”. Isso é uma coisa que aprendi há quase trinta anos quando cheguei aqui na obra para trabalhar, “fazer com” e não “fazer para”!

A partir desta minha decisão de estar na Casa Novella em tempo integral, iniciaram junto com a equipe momentos em que o milagre passou a ser palpável, pois juntos fomos vencendo qualquer sentimento que pudesse nos desviar do cuidado uns com os outros, das famílias e dos cuidados com as crianças, ou seja, o desespero inicial já não existia, pois estávamos caminhando juntos.

Uma das primeiras coisas de que me dei conta é que era preciso reconhecer o sofrimento de cada criança, de cada adulto, porém era também necessário dar esperança a cada um deles, pois a esperança nos move sem risco de paralisar no meio do caminho. Nestes tempos de pandemia a situação das crianças ficou ainda mais complexa, pois o pouco contato que tinham com suas famílias após serem acolhidos ficou suspenso. Era visível a dor delas, que passou a ser ainda maior. Diante disso, sem pensar muito, no dia 18 de março combinei com meus três filhos, que já são maiores de idade, que viria morar na Casa Novella durante todo o tempo de pandemia.

Foi incrível como meu olhar mudou e vem mudando a cada dia. Eu sempre soube que viver num acolhimento, mesmo sendo o melhor lugar, como a Casa Novella, não é algo fácil. Porém conviver aqui tem sido uma grande oportunidade para entender, por exemplo, por que toda troca de plantão tem tanta agitação e até mesmo choro de algumas crianças, pois para mim, que tenho uma consciência mais madura da situação, era muito difícil ver minhas amigas que passaram 12 horas na minha companhia indo embora. Ficava sempre uma dúvida: «Será que 36 horas depois esta pessoa voltaria? Será que não aconteceria nada que a impedisse de voltar?» É como se em toda troca de plantão eu precisasse virar uma chavinha na minha cabeça para conseguir acolher a nova equipe que chegava, e quando esta equipe ia embora todo o sentimento voltava. Às vezes, juro que minha vontade era correr atrás destas pessoas que estavam indo embora e dizer «me leva com você!»

Falando agora das crianças, é incrível como elas têm muito para me oferecer, e eu a elas. Viver junto é algo fenomenal, muitas novidades têm acontecido com a gente seguindo somente o que a realidade, que é nossa mestra, vem nos propondo. Madre Tereza de Calcutá dizia: «Não podemos fazer grandes coisas nesta vida, tudo o que podemos fazer são pequenas coisas com muito amor». É exatamente isso o que descobri: viver o momento presente com muito amor.

Temos muitas crianças que chegam aqui sem esperança, carregando muita raiva no coração, e juntos conseguimos, pouco a pouco, descobrir saídas para que o amor e a justiça prevaleçam mais do que a raiva e a revolta. Olho para esses rostos que transbordam sorrisos e gratidão só pelo fato de eu estar aqui dormindo e acordando com elas. Isso me faz sentir tão acolhida e amada, que o mínimo que posso fazer é pedir a Deus que cuide do destino de cada uma delas para que possam de verdade estar nos seus lares seguros e protegidos.

Relato a vocês um pouco das coisas que estamos vivendo juntos e que agora me dou conta que podem ser vividas não somente em tempos de pandemia, mas todos os dias.

Estamos situados ao lado da creche Jardim Felicidade e o diretor disponibilizou todo o espaço para nossos meninos, já que as atividades deles estão suspensas. Assim, temos feito acampamento debaixo da árvore, caça ao tesouro, tarde de magia com muitas mágicas, jantar ao ar livre, festa junina, comemoração de aniversário, uso diário da quadra para brincadeiras livres, soltar pipa, contemplar o azul do céu ou o luar, descobrir desenhos das nuvens, encontrar passarinho morto e fazer todo o processo de funeral como um cuidado com uma vida que está indo para o céu. Fizemos também festa do pijama, tarde de filmes, noite de filmes com pipoca, oficinas de arte e madeira, de música, de dança, churrasco, enfim muita criatividade vem surgindo neste tempo que a princípio seria somente de dor e desespero.

Afirmo a cada um de vocês que cada instante da minha vida sou eu quem agradece a oportunidade de estar aqui, pois tenho tido a oportunidade de acompanhar a situação de cada criança, que após receber tanto amor e atenção me pedem que escreva uma carta para a mãe deles dizendo que agradecem por sua mãe ter permitido que nascessem, que a amam e sabem que precisam de uma nova família que as proteja. Porém sabem que um dia vão encontrá-las e lhes dar amor e carinho. Também tive a oportunidade de ouvir uma criança dizendo a sua mãe para ficar na clínica tratando-se enquanto ela ficará calma esperando, e que no momento certo estarão juntas e protegidas. Poder acompanhar cada criança sendo protagonista de sua própria história, isso não tem preço!

Nossa casa realmente é um lugar onde quem chega é hospedado no coração!

Elma Lopes, Belo Horizonte