Ponta Negra, Manaus (Foto: Maxwel de Souza Freitas/Unsplash)

Na dor, a consciência de ser feito agora

Publicamos este testemunho de um amigo da comunidade de CL em Manaus. Ele foi afetado pela covid em janeiro, quando a cidade estava sendo duramente afetada pela pandemia. No meio da dor, um ponto novo de autoconsciência

Queria contar um pouco o que foi tudo isso para mim nesse período, porque até então eu não tinha participado da pandemia. Para mim, via a pandemia, que surgiu no ano passado, sempre como um sinal de que eu deveria compreender as coisas depois dela. Um pouquinho antes de tudo isso acontecer, a minha cruz já tinha sido me dada, porque eu tinha sido internado, em dezembro, para uma cirurgia de emergência. Então, se fosse um pouco depois eu não conseguiria atendimento e eu não estaria aqui. Esta cirurgia me deixou bastante debilitado, abrindo portas para a covid.

Eu quero dizer a vocês que eu vi Cristo lá dentro daquele hospital. Não é que aqueles doentes espelham Cristo não, eles são o próprio Cristo. Eu vi o Getsêmani ali dentro, eu vi, eu desci aquela sombra de sofrimento, que a princípio pode aqui ser banal para esse mundo, mas foi tremendo para mim. Não era para existir aquilo.

Entretanto, o medo, minha covardia, minha fragilidade naquele momento me fizeram implorar pela minha vida, e ali percebi, sim, a ação de Deus. Ele me respondeu. Nesses últimos dias estava lendo alguns livros, incluindo o Cristianismo puro e simples, do C.S. Lewis. Ali encontrei essa passagem: «O que o nosso inimigo punha na mente dos nossos ancestrais remotos, foi a ideia de que pudessem estruturar a si mesmos». Meus caros, aquilo ali no hospital para mim desapareceu. Desapareceu assim, milagrosamente... Eu não posso mais ser o mesmo homem de antes. Minha mãe estava ali junto comigo, internada, mas eu não podia sequer levantar para ir lá com ela, porque um passo à frente e eu caía desmaiado, tendo que voltar para o oxigênio. Ela faleceu e eu só soube uma semana depois.

Eu relutei muito, eu não queria ir para o hospital, não queria ser internado, mas a doença avançou de uma forma que eu não conseguia mais conter, nem com remédio em casa nem com nada, tinha que ir para o hospital. E foi um milagre eu ter conseguido. Só por ter conseguido atendimento já foi um milagre, porque agora ninguém consegue mais. As pessoas que estão indo lá, estão morrendo. Eu não tenho como precisar o tamanho da dor daquela gente. As pessoas gritam, todo mundo lado a lado e o médico não tinha espaço para atender as pessoas. E morriam lá, do meu lado. Do meu lado eu vi quatro pessoas morrendo. E eu sobrevivi àquilo.

Eu estou contando isso porque saí dali com a consciência de que eu não venci nada [refere-se às placas que as pessoas seguram ao sair do hospital]: pelo contrário, perdi. Perdi minha mãe, perdi meus amigos, perdi… Mas Ele me deu uma abertura, me deu essa possibilidade de extinguir essa ideia que o inimigo nos pôs.

Carta assinada