Torres do Seminário de Agudos. Foto de Marcelo Lucato

Revestidos de Cristo

«E então alguém pode realmente viver assim porque há, neste mundo, uma coisa do outro mundo.» A experiência das férias organizadas pela comunidade de São Paulo de 19 a 22 de janeiro em Agudos /SP
Cecilia Canalle

As férias de Comunhão e Libertação provocam muitas perguntas… Por exemplo: por que um movimento religioso faz férias ao invés de fazer outro retiro? Como consegue juntar pessoas de idades e características tão diferentes em um lugar ao qual, talvez, boa parte daquelas pessoas não iria espontaneamente? Por que quando brincam todos se sentem livres para participar, mesmo se a pessoa for bem pequena, ou já bem madura? Por que os times das brincadeiras parecem uma Arca de Noé e ninguém reclama disso? Por que se canta com alegria, se obedece livremente e se olha amorosamente para os limites incontestáveis uns dos outros?

Verdadeiramente, esse evento – para dizer o mínimo – merece um estudo antropológico! Porque ali acontece o que São Tomás de Aquino descreveu como a “antecipação da graça definitiva”, e, por “graça definitiva”, entende-se o céu.
A grande verificação se reconhecemos ou não a presença de Cristo é se ficamos felizes mesmo quando fazemos o que não queremos ao invés de emburrarmos. E isso foi acontecendo e se tornando palpável ao dizermos sim a cada proposta. Nas brincadeiras e na gincana, por exemplo, os adultos já bem adultos corriam junto com as crianças, às vezes, bem pequenas, na disputa de algo irrisório, mas perseguido com afinco! Pode parecer bobagem, mas já é sinal de outro mundo. Primeiro porque mesmo sendo brincadeira, aquelas pessoas não entravam nos jogos com tédio, mas com desejo, viviam de verdade. Como assim? Aquele professor universitário sofisticado e de peso mais avantajado disputando um lenço no jogo da velha? Como se aceita no seu time quem anda devagar em brincadeiras em que se tem que correr? É possível acolher o limite do outro quando isso implica você perder?

Era de rir em muitos momentos: pareciam os cegos e coxos (mudos nunca…) e todos cabiam. Era uma mesmo uma Arca de Noé. Em tempos de aguda incomunicabilidade entre diferentes, havia um lugar em que ser insuficiente era suficiente. Ora! Só infinito pode transformar o finito dessa forma! E isso acontece quando há um povo que pode e vive com clareza que “só uma coisa é importante”, como meditamos nos magníficos Exercícios da Fraternidade que comentava a resposta de Cristo a Marta sobre a essencialidade do cotidiano.
Essa é a grande educação que os pais dão para os filhos (e vice-versa). Mais do que as escolas caras, mais do que os treinos extras de tantas atividades. Um lugar em que o mais importante não é a diferença diante de um padrão local, mas o fundamento de todas as coisas que nos une e nos torna livres para o que vier depois. E isso, também, podia ser verificado porque havia jovens que estavam distantes do Movimento e se viam completamente à vontade para “não serem mais do Movimento” e sem perder a vida que lhes era oferecida gratuitamente.

Tudo nas férias é surpreendente. A começar que, perguntando a várias pessoas o que havia sido mais significativo, ouvi respostas positivas, mas muito diferentes. Cada um recebeu o que buscava e quem buscava mais recebeu mais porque Cristo é exuberante nas respostas de quem O busca. Quer dizer que a presença de Cristo na realidade é tão generosa que – se a pessoa está aberta para ver e ouvir – ela encontra o que procura, e isso de modo customizado: há uma resposta particular para cada um!

As férias deste ano aconteceram nos dias 18 a 22 de janeiro, no Seminário Santo Antônio dos Franciscanos em Agudos/SP: um espaço muito bonito e muito simples. Campos de futebol, piscinas e quatro claustros com belos jardins, tudo com muito espaço, mas sem a dispersão característica de um hotel com equipes de recreação – e isso ajudou a olharmos para o essencial.

Afinal, o que estávamos querendo ver ali? – nos provocava padre Ignazio. Nosso coração tinha um grito? Desejávamos uma plenitude? Queríamos um lugar para nosso coração inquieto? Havia uma correspondência para esse desejo?

Será que comprovaríamos a tese cristã de que o infinito sustenta o finito? Que Deus está conosco não apesar, mas dentro das nossas limitações individuais e coletivas?
As cruzes de cada um foram ficando evidentes. Não havia a estranheza tão comum em qualquer grupo social. Os filhos dos outros não eram somente outros porque pertenciam à mesma história que nos havia fascinado.

Então todos foram cabendo, os limites físicos e emocionais foram sendo compartilhados. Quanto mais víamos Cristo andar entre nós, mais nosso coração ia para o lugar e nos tornávamos, também, um pouco de seus passos. Isso ia acontecendo sem que nós mesmos percebêssemos. Mas o fato é que, a cada final de dia, estávamos mais cansados fisicamente e mais em paz. E isso acontecia não porque somos um grupo elegantemente educado. Mas um grupo verdadeiramente educado a entender que o sentido de tudo está em Cristo. E é possível vê-Lo andando entre nós sempre que O reconhecemos nas limitações, na obediência a atividades que nem sempre queremos realizar. Isso gera o desejo de pertencer.
Pertencer a um lugar em que as nossas limitações não viessem antes da pessoa nem necessitassem ser eliminadas, porque o outro era maior do que as suas impossibilidades e feridas. Dava para ver a potência de Deus com a familiaridade da dor.

Ora, o que pretendem os cristãos?
Pretendem viver neste mundo uma coisa do outro mundo! Pretendem que a realidade humana e banal seja revestida de Cristo.
E tudo começa com o sim de alguém que move os outros. Particularmente, chamou atenção a Tânia Schandert, que, sendo responsável pelas férias junto com um grupo de amigos, nos lembrava que não somos uma agência de viagem e que o sacrifício (ela ofereceu suas férias para organizar as nossas) de estar lá disponível para resolver o que se precisasse não a fez perder, mas ganhar, porque experimentava olhar tudo como Cristo havia dito: «Faço novas todas as coisas». Então foi oferecendo por cada um aquele tempo e foi vendo os milagres que aconteciam com ela e com os outros.
Assim tudo se tornou oportunidade para descobrirmos mais nosso carisma e, pela beleza encontrada, nos tornarmos corresponsáveis de oferecê-lo ao mundo.

O cuidado do gesto, a entrega gratuita, a presença do padre Ignazio e do padre Cássio, que dirigem duas paróquias muito ativas das quais se desligaram para estarem conosco, foram também de grande ajuda para compreender e viver o significado do gesto. Quando do passeio de barco pela eclusa de Barra Bonita, padre Ignazio, a certa altura, pediu silêncio, rezamos o Ângelus e cantamos Non nobis, Domine [Não a nós, Senhor]. E isso foi, também, um presente para as pessoas desconhecidas que nos olhavam admiradas para aquele outro jeito de viver.

O Papa conclamou – na Praça de São Pedro em outubro passado ao comemorarmos os 100 anos do nascimento de Dom Giussani – que o Movimento desse uma contribuição ainda maior porque espera mais de nós, muito mais! Pois bem, nessas férias, de modo simples mas muito assertivo, isso aconteceu!