(Foto: Kevin Andre/Unsplash)

«Me ajude a lembrar deste dia»

Um dia no cemitério cheio de encontros transformadores, expressões de fé e esperança, e o impacto profundo da caridade na vida de todos. Um aprendizado sobre «a relação entre a experiência e a fé, presente no texto da Jornada de Outubro»

No último Dia de Finados, recebi uma provocação de ir ao cemitério de Inhaúma, localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Confesso que saí um pouco mal-humorado, mais pelo deslocamento até Inhaúma do que por ir ao cemitério (que também não era lá o tipo de atividade que me deixaria empolgado). Cheguei lá, encontrei dois colegas com os quais havia combinado essa visita e a ideia era circular pelo cemitério, abordar as pessoas que estariam rezando diante dos túmulos, identificando-nos como membros da Igreja Católica e oferecendo uma oração. Logo imaginei uma possível quantidade de “nãos” e caras feias…

Porém, ao contrário do que eu esperava, tivemos apenas uma recusa. Todos os outros que abordamos quiseram nos receber. E foram diversas situações: a pessoa diante da gaveta, famílias inteiras diante de uma cova rasa, as edificações impressionantes que fizeram em virtude dos falecidos pela covid (aquilo me deu uma outra ordem de grandeza de como foi dramática a pandemia). E as reações também várias: o velhinho que só queria ser ouvido (sobre os mais diversos assuntos), uma família inteira que perdeu um jovem irmão de 29 anos para a pneumonia (eram crianças, jovens e idosos ao redor da cova rasa), uma família que nos abordou pedindo que rezássemos no jazigo da família, uma mãe que perdeu a filha para a covid (nos mostrando inclusive o vídeo da filha se despedindo no hospital), uma menina que perdeu o namorado há sete anos para o tráfico de drogas. Nessa última, depois de rezar, perguntamos como estava a vida dela hoje em dia, e ela disse que já estava casada, com filho e o marido dela estava do lado de fora do cemitério aguardando (esta me surpreendeu porque já tinha refeito a vida, mas ainda vinha rezar pela alma do ex-namorado morto pelo crime).

E durante a caminhada encontramos por lá um diácono que ficou super feliz de nos ver por lá. Conversamos um pouco e fomos interrompidos por uma jovem muito humilde, com um rosto marcado de sofrimento e uma angústia muito grande (parecia ser algo que estava além do fato dela estar no cemitério): «Diácono, por favor… o senhor pode me abençoar? Eu preciso ser abençoada». Ele imediatamente fez uma oração bem parecida com a couraça de S. Patrício impondo as mãos sobre ela e depois a aspergiu com água benta. Os olhos dela mudaram completamente como se um peso estivesse saindo dela.

Ali naquela ocasião, depois de tantas celebrações da esperança, por ter sido tão bem recebido pelas pessoas e famílias que nos recebiam e ouviam, e pela imensa gratidão de todas elas, eu fui aos poucos percorrendo os pontos da relação entre a Experiência e a Fé presente no texto da Jornada de Outubro.

Começava encontrando aquelas pessoas, e a cada aceite eu percebia ali uma presença excepcional, ficava maravilhado com aquilo, me perguntava mesmo conhecendo: «Mas quem é este que transforma um ambiente tão triste e pesado nessa letícia que estou sentindo agora?» Entendia que a resposta não era dada por mim, e a cada família abordada, a cada pedido fui vendo como foi justo e razoável abraçar aquela proposta, apesar de entender que muitos outros jamais entenderiam que ali estava Cristo.

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Quando cheguei em casa e Carol, minha esposa, me perguntou como foi, eu respondi: «Sempre que eu apresentar alguma dúvida sobre o caminho que estou fazendo, me ajude a lembrar deste dia».

Por fim, foi um gesto que me ajudou também a compreender a importância da caritativa como algo que também é para mim. Esse pilar do Movimento não deve ser um apêndice ou um “CL plus”. É importante pensar em um gesto de caridade para entender tanto o carisma que vivemos, assim como as bases da nossa fé.

Gabriel, Rio de Janeiro (RJ)