
À espera do Céu
Há dois meses falecia o padre Enrico Arrigoni, que foi missionário por trinta anos no Rio de Janeiro. Uma amiga compartilha a experiência de proximidade de sua família com o sacerdote, e um pouco que aprendeu na sua companhiaQueridos amigos,
Fui ministra da Eucaristia durante muitos anos na Paróquia Santa Cruz de Copacabana. Naquela época, não tínhamos coroinhas, então eram os próprios ministros da eucaristia que ajudavam na missa.
Há um momento antes da consagração em que derramamos água nas mãos do celebrante e ele faz uma bonita oração, pedindo que seus pecados sejam lavados. Não houve uma única vez que eu derramasse água nas mãos do padre Enrico sem que eu não pedisse que se tornasse santo. Na semana passada, estando na missa, olhei para o altar e vi que a ministra estava derramando água nas mãos do celebrante. Eu, instintivamente, muito emocionada fiz uma oração de agradecimento: “Obrigada, Senhor, porque, hoje, padre Enrico está no céu. Ouviste, Senhor, a minha oração”.
Eu e um grupo de amigos próximos acompanhamos o caminho de santidade que nosso querido Padre Enrico percorreu até a sua morte nesse último mês de janeiro.
Padre Enrico viveu trinta anos no Brasil, dos quais vinte e seis foram na Paróquia Santa Cruz, em Copacabana, onde era o pároco. Era, também, o responsável pela Comunidade do Morro dos Cabritos, vizinha da Paróquia. Na Comunidade, padre Enrico construiu uma linda igreja e gerenciou uma creche com cento e cinquenta crianças moradoras na Comunidade. Sempre preocupado com a educação, padre Enrico se tornou um especialista em Educação, tanto quanto aos fundamentos quanto à legislação. Era admirável o seu conhecimento da Educação no Brasil.
Vivenciando os problemas da Creche, ele, sozinho, deu início à Associação das Creches Conveniadas com a Prefeitura. Naquela ocasião tínhamos em torno de duzentas creches conveniadas em toda a cidade do Rio de Janeiro, sendo que a maioria delas se tornaram Associadas. Foi um trabalho imenso. Ele pessoalmente ligou para todas elas. Todas recebiam uma ajuda significativa do poder municipal, mas aos poucos ia sendo retirado o poder de decisão dessas creches, que eram obrigadas a fazer o que a Prefeitura determinasse.
Sou pedagoga formada há muitos anos, mas pela primeira vez ouvi dizer: “O Estado não sabe e não pode educar… a educação é em primeiro lugar dever e direito da família, depois da comunidade e, então, de forma subsidiária, do governo”. Isso causou uma inversão em nossas mentes. O que ele mais queria era que nós nos apropriássemos dessa ideia.
Na Associação havia representantes de todas as filosofias e crenças religiosas. Convivíamos na maior amizade, respeitando-nos mutuamente. Creio que a Associação foi uma grande ajuda para a Educação no Município. Para nós, os associados, a grande ajuda foi conviver com um pastor que cuida de suas ovelhas. Na Paróquia, com muita naturalidade, foi nascendo ao redor dele um grupo de paroquianos que aprofundaram essa amizade. Era uma amizade baseada no cuidado que ele tinha por nós. Toda segunda-feira jantávamos juntos na cantina da igreja. Padre Enrico cozinhava para nós os mais deliciosos pratos italianos. Fazia questão que fosse acompanhado de um bom vinho, entremeado de testemunhos, terminando com uma grappa.
Fizemos com ele e um grupo de paroquianos duas grandes viagens. A primeira à Terra Santa e a segunda a Turim para ver o Santo Sudário. Sua cultura da história mundial e da história da Igreja era imensa; entretanto, o que mais me impressionou foi a sua vivacidade em aproveitar todos os momentos, desde cantar O sole mio às margens do Mar Vermelho, até cada missa rezada naquela terra. No dia em que fomos ao Santo Sepulcro, a fila estava imensa e ele achou melhor deixar-nos passar primeiro. Quando voltamos eu lhe disse: “Padre, vai agora, pois está mais vazio. Deixe a sua mochila para eu tomar conta”. Tendo necessidade de mudar de lugar, peguei a mochila e, para minha surpresa, era pesadíssima e pensei: “O que será que o padre leva aqui?” Ao chegar perguntei-lhe, e ele somente sorriu como resposta. Entendi que era penitência, ele carregava aquele peso todos os dias, a todo tempo. Casos como esse, todos nós seus amigos temos para contar. Era um verdadeiro pastor, vivendo para suas ovelhas.
Um dia, cheguei a seu escritório e lhe disse: “Padre, o resumo de tudo é amar a Cristo”, e ele me corrigiu: “Não, é deixar-se amar por Ele”. Foi isso que ele praticou. Aceitou a doença que o consumiu por inteiro sem nunca se queixar. Voltou para a Itália depois desses trinta anos, levando somente uma pequena mala e uma pasta de mão. Deixou para trás tudo de sua casa, inclusive seus livros, que imagino deveriam ser-lhe preciosos, pois ele era um leitor voraz.
Nesses três últimos anos, nos enviava áudios diariamente com textos lidos de algum livro de Dom Giussani. Fazia conosco um encontro semanal, no estilo de Escola de Comunidade, sobre o livro Educar é um risco e outros textos. Poderia estar cansado devido ao fuso horário, pois essas reuniões via Zoom eram às dez horas da noite na Itália. Telefonávamos com frequência para ele. Nunca deixou de nos atender na maior alegria e no final nos agradecia por termos telefonado.
Ele foi ficando cada vez mais frágil, especialmente depois que teve um derrame que imobilizou o seu lado direito. Mas continuou forte e alegre. Contava casos sobre o que acontecia na Casa de Repouso e sempre rezava conosco. Nas últimas semanas sua voz foi ficando fraca e baixinha, e ele nos preparou para compreendermos o que era a morte. Dizia-me: “Não é o fim, é uma mudança, a vida não termina, ela continua no céu”. Sua tranquilidade e sua paz eram experimentadas por todos nós. Por volta de uma semana antes de falecer, mandou uma mensagem para nós nestes termos: “Caríssimos, me preparo para a Santa Morte. Obrigado”.
Essa é a verdadeira morte de um homem que foi tão próximo de nós e que nos ensinou o caminho. Era devoto de São Benedito, verdadeiro filho de Nossa Senhora e principalmente apaixonado por Cristo e a sua Igreja. Sigamos o seu caminho, agradecidos ao Senhor por ter-nos dado tão grande amigo.
Eliana, Rio de Janeiro (RJ)