A Páscoa e um povo

Uma experiência de comunhão na Páscoa, reunindo familiares e amigos em torno do verdadeiro sentido da festa

Ainda no tempo do namoro, eu e Cris havíamos decidido que, ao casarmos, não iríamos mais participar das festas de nossas famílias. Eram festas vazias, que giravam em torno da comida e, desde a vinda dos netos, dos presentes. Não havia grandes diferenças entre o Natal ou uma festa de domingo. Nós queríamos viver o Natal e a Páscoa junto de pessoas que também entendessem o sentido daqueles dias, que dividissem a vida conosco. No primeiro ano de casados, ainda conseguimos que uma família viesse passar conosco o Natal, mas aquilo gerou tanto barulho, que depois não conseguimos mais ninguém. E os nossos Natais e Páscoas depois disso foram murchando. Nossos pais vinham, fazíamos boas comidas. Mas era difícil comunicar aos nossos filhos que aquelas eram datas felizes, que era uma festa e que o motivo de nossa alegria era Cristo. Sozinhos com nosso desejo, só conseguíamos fazer jantares gostosos e melancólicos. E, no Natal de 2023, fomos dormir com uma tristeza tão grande que dissemos um ao outro: “Basta, precisamos que tenha vida nisso, não só por nossos filhos, mas para nós!”

Foi quando dividi isso com um amigo de Salvador, o Ramon. Ele me contou como eles estavam vivendo essas datas: olhando para os Memores Domini (que faziam um almoço no domingo para receber algumas pessoas), eles passaram a fazer o mesmo. Na noite de Natal eles iam à missa e depois, em família, explicavam às crianças o Natal e comiam. No domingo eles organizavam um almoço na casa deles e convidavam os amigos que estavam próximos, cada um levava um prato e celebravam juntos.

Ano passado fizemos a nossa primeira versão, na Páscoa. Pensávamos que poucos viriam, não era muito claro como seria, se daria certo, mas lançamos os convites. Cerca de 10 famílias vieram para o sítio onde moramos, amigos do Movimento e algumas famílias que satelitizavam a nossa amizade. No final do ano, fomos passar o Natal com Ramon e Elise para ver como era a experiência que eles faziam.

Esse ano queríamos refazer a proposta, mas tínhamos dúvidas se as pessoas viriam. Qual foi nossa surpresa ao longo da Quaresma, quando vários desses amigos começaram a nos abordar confirmando se faríamos novamente o almoço de Páscoa, porque as crianças deles estavam na expectativa desse dia e eles também.

Éramos mais de 50 pessoas, entre adultos e crianças. Dessa vez, além dos nossos amigos do Movimento, convidamos alguns que estavam afastados da nossa experiência e também alguns familiares (não só nossos, mas alguns quiseram trazer seus pais também). Apresentamos o que era a Páscoa para as crianças e depois fizemos uma caça aos ovos na área do sítio. E celebramos a vida que Cristo nos deu, através da Sua cruz e ressureição – e isso não são palavras formais, pois realmente estávamos ali por causa disso e essa era a consciência de todos. Os últimos saíram por volta das 20h.

Meu sogro, que é um homem de poucas palavras, agradeceu por aquele dia, e ele só conseguia dizer: “Foi muito bonito, muito bonito mesmo”. Ao longo desse tempo, sempre que o escutávamos tocar violão, era porque estava triste, cansado ou irritado. Naquela noite, pela primeira vez, nós o ouvimos tocar violão por estar feliz.
Minha sogra, durante muitos anos, tinha certa resistência com o Movimento, pois ele teria “roubado” a filha dela. Na manhã seguinte, durante o café da manhã, agradeceu também. E perguntou a Cris quando teria um encontro do Movimento, pois ela precisava ir.

Camilo e Ana não puderam vir, pois todos na casa deles estavam doentes. E a prima dele com o marido iriam desistir, mas ele insistiu que viessem. Depois Camilo me contou que, naquela mesma noite, a sua prima lhe escreveu dizendo que foi muito bonito e que ela ficou feliz de ter vindo.

Uma amiga, que veio pela primeira vez em nosso sítio, nos escreveu: “Obrigada pelo convite, por partilhar a mesa com minha família! Cristo faz nova todas as coisas! Foi a primeira vez que passei a Páscoa com vocês e todos ali… havia muita comunhão, fraternidade e boas risadas… não foi fácil chegar, sempre há um sacrifício! Tudo o que muito vale, muito custa! Descobri que é desafiante pertencer a um povo, a uma comunidade que me foi dada”.

E ainda outra amiga, que se afastou do Movimento há muito tempo, e quase não vinha, escreveu para Cris à noite: “Obrigada por ter demonstrado que foi um sacrifício. Muitas vezes eu vejo que pessoas fazem sacrifícios com um sorriso no rosto, sem transparecer que têm um sacrifício. Isso é bonito, mas eu digo: ‘Ah, isso está muito longe da minha realidade’. Mas quando eu vejo que existe um sacrifício e uma dor na bondade, fico mais constrangida ainda, porque se dói em mim, também dói em mais alguém, mas esse alguém se move, enquanto eu me paraliso. Isso me fez pensar. Espero que mude algo em mim. Obrigada mais uma vez! Feliz Páscoa!”

Olhando tudo isso, meu coração se enche de gratidão. Porque é graça, é pura graça toda essa beleza que vi diante de meus olhos, que minha família e amigos testemunharam acontecer. Feliz Páscoa!

Lucas, São Cristóvão, SE