
Em companhia, a retomada da esperança
Em janeiro as comunidades de CL do Rio de Janeiro e São Paulo se reuniram para um momento de férias durante o verão. Stella nos conta a experiência que viveu e algumas descobertas daquela convivência, cheia de sinais do cuidado de Deus por cada um de nósEu sempre rejeitei a Cruz, e dizer isso não significa que não voltarei a rejeitá-la; mas em janeiro, com minha mãe doente há vários meses – sendo seis meses no CTI, até aquele momento –, eu pude perceber após as férias do Movimento, que uniu São Paulo e Rio, o quanto a Cruz é importante. Não que numa fase boa não se possa crescer em graça e sabedoria, mas nada se compara ao que a gente pode ganhar com o sofrimento. Tudo o que é supérfluo desaparece e só fica o essencial: Deus, o Amor. Até bem pouco tempo, apesar dos Exercícios da Fraternidade do ano passado e da declaração do tema do Ano Jubilar, eu não ousava ter esperança. Era uma notícia ruim atrás da outra, e eu tinha medo do imenso sofrimento de ter uma esperança, por menor que fosse, frustrada por uma notícia pior. Estava quase perdendo a minha mãe e eu só conseguia sentir um imenso medo contido pelo ativismo que a situação me pedia, praticamente sem dormir.
Foi a pior fase da minha vida – e olha que eu tenho um irmão especial devido a um acidente de motocicleta. Eu que tenho dificuldade em rezar o Terço todos os dias, mas passei a fazê-lo, vivia agarrada ao terço. Ainda que estivesse imensamente desesperada, eu me agarrava a Deus implorando misericórdia. Por graça de Deus, eu estava numa clinica católica, e portanto tinha dois locais onde encontrar o Santíssimo (Glória a Deus!): um na Igreja que serve à comunidade do bairro e uma capelinha no quarto andar. Eu até tive condições de rir de mim mesma porque na capelinha tinha um genuflexório diante do sacrário, e este era sustentado por quatro ferrinhos, e eu me agarrava a eles soluçando e o sacrário balançava. Mas eu só podia fazer isso: me agarrar ao Senhor e não soltar. Essa era eu, mesmo com a fé abalada e com medo da esperança.
Quando soube que havia duas vagas para as férias, fruto de desistências, agarrei-me numa como se fosse um bote salva vidas, com uma convicção de que uma das vagas era para mim, sem dúvida nenhuma. Depois, voltando do hospital para render a empregada que cuidava do meu irmão até eu chegar, eu exclamei a mim mesma num susto: quem vai ficar com ele se eu viajar? Ainda tentei ver se ele podia ir comigo, eu tinha certeza de que ele ia amar ir, mas não consegui mais vaga. Cheguei na casa da minha mãe e perguntei a Conceição se ela ficaria com ele para mim, complementando com “estou precisando demais”. Ela aceitou com uma facilidade e bondade que só podia ser Deus decidindo que eu deveria ir.
Ele me pinçou da situação aflitiva diária em que eu me encontrava, indo de segunda a segunda para o hospital para resolver tudo e, podem acreditar, eu não tinha um segundo de sossego. O que me possibilitou ter coragem de ir às férias foi minha mãe, trinta dias antes, ter começado a melhorar de forma consistente. Eu finalmente me permiti gozar uma imensa felicidade e alívio no coração. Como Deus é bom e atencioso! Mas isso não me impediu de pegar uma gripe e uma virose seguidas. Achei que não iria poder viajar. Na terça-feira, dois dias antes da viagem, eu senti uma imensa culpa em viajar, a ponto de ter uma enxaqueca absurda e uma dor imensa na coluna, de pura tensão. Mas não desisti. Eu estava resolvida a ir. Estava sedenta para caminhar com o povo que Dom Giussani preparou para mim.
A viagem começou turbulenta, pois caiu um temporal daqueles de alagar o Rio de Janeiro, e antes de completar duas horas de viagem (eram 4h30 no total) a van quebrou. Diferentemente do que estou acostumada a ver, todos levaram numa boa. Eu ainda tentei me indignar, mas logo fui envolvida pela paz da companhia, com todos conversando e tomando um cappuccino. Ouvi alguém dizer: “Nossas férias começaram aqui”. Que diferença de postura, pensei admirada! Ali me vi compartilhando a vida com Lili Prata, Mara e Sueli. Que grande consolação. A chegada ao Recanto das Hortênsias, em Passa Quatro, sul de Minas, foi uma alegria só, mas eu mal podia andar de exaustão. Sou gordinha e parte de mim ficava fora da poltrona estreita da van. Na missa, eu tive uma crise de choro logo após comungar. Fui socorrida por amigos queridos que sabiam pelo que eu estava passando. Como era bom estar num ambiente humano depois de mais de cinco meses em ambiente hospitalar, com tudo o que isso implica em banalização do sofrimento. Quanto abandono existe num CTI, meu Deus. Na fala do Alexandre, logo depois, pedindo que nós usássemos nossa liberdade para participar das atividades propostas e aconselhando também que nos abríssemos para as possibilidades que a mesma liberdade nos oferece, eu pensei com meus botões: nem pensar, vou para a piscina e quem sabe eu até consiga dormir lá.
A manhã de sexta chegou e eu me arrastei para a piscina. Quando passei pela porta de entrada vi o Alexandre. Decidi cumprimentá-lo e me apresentar a ele. Aí, pasmem, me convidou para tomar um café com ele. Lá fui eu, feliz da vida, dando as costas para a piscina, num papo maravilhoso, que atendia às necessidades do meu coração. Como Deus é maravilhoso! Eu tinha acabado de saber nas Laudes da morte do Padre Enrico, meu pároco por 26 anos, meu amigo e mestre. Não esbocei nenhuma reação – eu demoro às vezes a realizar essas notícias. Soube por Alexandre que ele estava esperando um amigo de Portugal convidado para as férias, o Javier (ou Porto, seu apelido), por isso ele não pôde participar da trilha da manhã. À tarde, no final do lanche que o hotel oferece no canto de um salão, fui me servir de um cafezinho. Um senhor me abordou e elogiou o texto que redigi no Facebook sobre minha convivência com Padre Enrico. Conversa vai, conversa vem, sentamos, eu e Dalton, e tive mais um momento que atendia à sede do meu coração. Quanta coisa em comum! A fala após o jantar do Javier foi sensacional. O homem é uma metralhadora de experiências incríveis – falava muito rápido e, claro, com sotaque português. Como ele renovou em mim a visão do que a experiência da Fraternidade poderia oferecer! O que ficou na minha memória foi a confiança que podemos ter entre nossos fraternos de modo a compartilhar tudo, perguntar sobre tudo e ter coragem de mudar nossos planos se o “Outro” assim me convencer.
Que férias eu estava tendo. E ainda era a noite da segunda-feira. Bem que tentei assistir aos jogos pela manhã, mas não aguentei o calor. Fui para a piscina, me deleitei na hidromassagem quentinha e fiz uma boa sauna seca. Deus cuida até desses mimos, que beleza! Ainda tive um momento de muita ternura ao dar mamadeira para a bebezinha do Dot (Carlos Eduardo), meu querido amigo. Ainda deu para fazer uma confissão sem pressa. Difícil foi voltar, não vou mentir. Mas essas férias estão guardadas no meu coração.
Stella Caymmi, Rio de Janeiro/RJ