Território de um diálogo
No dia 9 de junho, em São Bernardo do Campo, um vereador, um professor universitário e o responsável de CL no Brasil conversaram sobre o diálogo e seu papel no Brasil atual, para apresentar o livro de Julián Carrón, A beleza desarmadaEm meados de junho, cerca de cem pessoas reunidas na Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, em São Paulo, testemunharam um diálogo livre e incomum para aquele ambiente. Liberdade, Política e Bem Comum foram temas centrais de um encontro entre o vereador da cidade, Julinho Fuzari, e Marco Montrasi, responsável nacional do Movimento Comunhão e Libertação, com mediação do professor do Centro Universitário FEI Rafael Marcoccia.
Era um sábado ensolarado de inverno, às 15h, as pessoas chegavam aos poucos. A maioria demonstrava curiosidade, alguns vinham pela amizade a quem os convidou, sem saber muito o que esperar. As crianças da comunidade ficaram na frente da banca dos livros e ali já começavam um movimento, cumprimentavam quem chegava e indicavam o auditório.
A mestre de cerimônias abriu o evento e introduziu o coral Santa Cecília, como uma forma de ali inserir a beleza através da música. E foi o que aconteceu. A sala, ainda “formal”, se aconchegou nas notas e letras entoadas pelo coral, e diante desta condução deu-se início à apresentação do livro A beleza desarmada.
Depois de uma breve introdução sobre aspectos gerais do livro de Julián Carrón, o mediador Rafael Marcoccia provoca os participantes a respeito de um tema essencial na sociedade moderna e com mais impacto na política: a liberdade. É possível apostar na liberdade individual, no protagonismo das pessoas?
Para falar sobre a liberdade, Marco Montrasi nos fala antes sobre o colapso das evidências e de como nos distanciamos da origem dos valores, que foram introduzidos na história com o cristianismo: o valor da pessoa, o valor da vida, entre outros. E esta distância causa hoje um colapso de ideias, de argumentos, para o que antes era óbvio e comum a todos. Vivemos como que um enfrentamento desses “achismos”, onde cada um quer defender sua ideia.
Diante disso, nos diz Marco, temos duas possíveis posturas: proteger-nos e armar-nos para enfrentar os outros que são uma ameaça, ou vislumbrar uma possibilidade de diálogo, de novo início. «Chega alguém que me diz que é o momento da Beleza Desarmada, o que parece um absurdo. É como uma novidade, como uma possibilidade. Por que uma possibilidade? Porque nós, que vivemos, talvez, de uma tradição que chegou até nós pelos nossos pais, ou avós, etc., agora chegamos a um ponto em que já não podemos "viver de renda", viver como se fosse óbvio, viver na inércia, da força de outros que levaram para frente certas coisas. É o momento de reconquistar... Uma oportunidade de descobrir as minhas raízes.»
E Montrasi então volta para a questão do protagonismo e da liberdade. «Quando há uma pessoa, quando há sujeitos que não têm medo, que começam a enfrentar isso, começam a dialogar... Dentre as diferenças nasce como que um terreno, como que um território que não é mais um território de batalha, é uma batalha diferente, é um território de uma batalha estranha, é o território de um diálogo. Diálogo é como se fosse o contrário do território da batalha. Porque você não está mais com medo de defender nada, você dá o tempo, dá o espaço, cria esse espaço quase neutro, para que o outro que pensa diferente de mim possa vir, não tenha medo de vir, não tenha medo de dar um passo também, não tenha medo de se aproximar. E, nesse espaço, cada um verifica, eu verifico, se o que eu estou vivendo é verdade para mim, dialogando com você. Ele pode verificar o que ele acha que é verdadeiro, comigo, num diálogo. Sem medo de perder, sem medo de ficar naufragando no abismo do nada. Mas para fazer isso precisa de uma certeza, de um eu, de uma pessoa que começa a redescobrir o quanto ela é grande, o quanto tem dentro de si tudo isso, esses critérios para verificar e para entrar em diálogo.» Todos ficam provocados com aquelas palavras, e então um senhor no canto da sala começa a bater palmas e repete: «É isso, é isso!».
O vereador Julinho Fuzari compartilha então uma experiencia marcante que fez ao se arriscar no diálogo com um de seus grandes opositores na Câmara. «Nós tivemos inúmeros debates e embates aqui. Mas, com o tempo, nós nos tornamos bastante colegas, e digo até amigos. Porque nós, com a maturidade, entendemos que no final o pensamento do resultado era o bem comum. Claro que ele tinha um caminho avesso ao meu, mas eu vi a verdade naquela pessoa.»
Sobre o que diz Fuzari, Marco argumenta: «Quando você está certo de alguma coisa, é como se vivesse uma capacidade de se identificar mais com o outro. Quanto mais você está certo, mais você consegue se identificar com o ponto do caminho no qual o outro está». E aqui é citado um trecho do livro A beleza desarmada: «De fato, é a simpatia por tudo o que se encontra. Quanto mais uma pessoa é forte, em termos de certeza de consciência, mais o seu olhar, até no modo habitual de andar na rua, abraça tudo, valoriza tudo, e não lhe escapa nada... E para ver, para ser amigo de outrem, não é necessário que ele descubra que o que você diz é verdade e venha com você. Não é necessário, eu vou com ele!».
E é dentro deste “território”, que não é mais um espaço de batalha, mas um terreno de diálogo, nos diz Marco, que é possível verificar e chegar até o outro «sem medo de perder, sem medo de ficar naufragando no abismo do nada».
Neste sentido, Fuzari nos fala sobre sua experiência pessoal: «É um exercício que eu aprendi a fazer. Nós só conseguimos de fato respeitar o outro e aprender com o outro quando nós não pensamos com a nossa cabeça... Quando nós tentamos entender o outro, por que que ele pensa dessa maneira... Talvez nós passemos a entender as ideias que ela defende».
E, traduzindo esta experiência pessoal para o âmbito político, Fuzari afirma: «Quando eu digo na rua que nós temos que parar de discutir políticas partidárias e começar a discutir políticas públicas, é pensando no bem comum». E mais adiante complementa: «Precisamos vencer essa barreira e acabar com essas questões de polarização, procurar uma verdade fora dessas ideologias, desses interesses, desses interesses em bem pessoal».
Sobre as ideologias partidárias e o bem comum, Marco Montrasi comenta: «Nós reduzimos a política a escolher um ou outro, e tudo vira uma briga entre nós. Porque é cada vez mais difícil escolher um ou outro. Ao passo que a política é essa paixão pelo bem comum; mas é impossível uma paixão pelo bem comum se eu não começo a descobrir o que é o bem, que o outro é um bem. Dar um valor ao bem comum, ao bem de todos, começa se eu começo dar o valor às coisas... O bem comum que nasce de um pequeno, de alguém que se desperta. De um “eu” que se desperta».
Na sequência deste belo diálogo, abriu-se então a possibilidade para que o público fizesse perguntas, e algumas delas convergiram no questionamento sobre se há jeito na política e como fazer para mudá-la.
Julinho Fuzari, entusiasmado, diz: «Tem jeito. Quando nós começarmos a fazer isto: discutirmos política. Discutirmos em casa, na escola, fazer com que as pessoas comecem a acompanhar». E como contribuição, Marco Montrasi aborda um conceito da doutrina social da Igreja: os corpos intermédios. «O elo entre a política e o povo, e as pessoas, as exigências, é dado pelos corpos intermédios, que agora foram esvaziados, não existem. Existem por nome. Os partidos são fragmentados, os sindicatos são corporativistas. Então temos que dar de novo valor, porque eles tinham o valor, sim, de ajudar os políticos. E os políticos tinham elo com a gente comum, com o chão, com a rua, através dos corpos intermédios. Este gesto aqui é um exemplo de corpo intermédio, de pessoas associando-se, de discussão de coisas».
Aproximando-se do fim deste encontro, Montrasi mais uma vez alerta sobre a ruptura com a origem e a consequente perda do “eu”. «Neste momento estamos vivendo uma violência muito forte, mais do que uma bomba atômica, porque não se vê. E quando a estamos em casa, olhando televisão, usando a Internet, é uma violência que nos absorve, que reduz o nosso “eu”. Amassa o “eu”, como se fosse um papel. Sem nos darmos conta. Por isso é tão violenta. Mais violenta que uma bomba. Porque nos reduz, nos afasta do nosso eu, nos torna mornos, alienados, sem que a gente se dê conta.»
E finalizando, afirma: «Se não fizermos nada, o nosso eu se amassa como um papel para ser jogado no lixo... não que alguém chegue e nos jogue no lixo: é que você não dá mais valor nem a você mesmo. Então é assim que podemos educar os filhos: amando nosso “eu”; sendo educados, nós os educamos. Este é o caminho».
Julinho Fuzari encerra sua participação agradecendo por esta oportunidade e, provocado pelo trecho de Julián Carrón sobre a semente em terreno fértil, nos diz: «Nós somos sementes, vamos semeando, Deus nos coloca em cada lugar, para que possamos dar testemunho. Acredito que sim, que é possível transformar esta sociedade, construir uma cidade, um estado, um país melhor. Mas depende de cada um de nós, né?».
E para celebrar este «território» de troca e diálogo que foi construído ao longo deste encontro, ao final, todos puderam partilhar de um momento informal, onde tiveram a oportunidade de conversar e adquirir o livro A beleza desarmada. Foi possível ali testemunhar nos rostos das pessoas presentes uma alegria e uma esperança diante das “palavras” que levavam para casa.