O paradoxo do Coronavírus
Missionário há 50 anos em Belo Horizonte, padre Pigi Bernareggi conta o seu olhar sobre a vida durante a pandemia. Entre angústia existencial pelas vítimas e a surpresa por como a humanidade pode florescer novamente dentro das dificuldadesPerguntam-me como estou vivendo este período do Coronavírus. Com angústia existencial de saber que onde não tiver acesso ao recurso técnico – sobretudo o respirador – as pessoas morrem afogadas na água gerada pelo próprio organismo nos pulmões. Angústia existencial, também, ao perceber a surreal oposição entre visão personalista (salvar as pessoas) e a visão economista (salvar a economia) que o mundo oferece, inclusive depois de dois mil anos de cristianismo.
Para mim, que dediquei muita parte da minha vida à questão dos sem-casa, surge também a angústia existencial de perceber que "a casa" não é mais (ou até nunca foi) o principal referencial de equilíbrio e bem viver do ser humano para bastante parcela da população, que reage negativamente à orientação sábia das Nações Unidas e dos mais sábios governantes: "Fiquem em casa".
Donde mais um motivo de angústia: o espírito de desobediência às novas normas de vida em nome do próprio critério individualista e relativista. É o que o Papa Bento XVI denunciou quando visitou a Universidade de Ratisbona (Alemanha) onde por muitos anos tinha lecionado. É deste relativismo individualista que nasce o maior perigo do 3° milênio segundo João Paulo II: «a civilização da morte».
Diz São Francisco de Assis no seu Cântico das criaturas:
«Bendito sejais meu Senhor, pela nossa irmã a morte corporal, da qual nenhum ser vivente pode escapar». Para ele, não há nenhuma realidade que Deus cria, que não traga consigo uma benção. É assim também o Coronavírus. Com efeito, onde o vírus aparece, imediatamente um conjunto de medidas e faculdades humanas necessariamente entram em ação – ciências, tecnologias, solidariedades de infinitas formas, estruturas de apoio, pesquisas de vacina, ajudas financeiras –. Os Governos são obrigados a deixar de lado muitas transações de sentido duvidoso, para apressar ações efetivas a favor do povo... Os próprios partidos perdem a sua importância a favor do "bem comum". O horizonte é mais digno, decente, idealista, fraterno; em suma, a vida é paradoxalmente mais feliz, útil, necessária, interessante, "amada". As próprias conversas do dia-a-dia tornam-se menos chatas, vazias, ôcas. O relacionamento humano se humaniza. A perspectiva final se diviniza.
É por isso que o louvor do Círio pascal destes dias (o Exultet) diz assim: «Ó feliz desastre, que mereceu tamanha reparação!».
É por isso, que nestes dias, eu e meus colegas do Convivium Emaús [casa para os padres idosos da Diocese de Belo Horizonte] todos os dias nos encontramos para rezarmos o terço pelo corona vírus no mundo, querendo nós também participar de tanto trabalho bonito, de tanto espírito de serviço, da purificação de tantos corações: queremos vivenciar este período misteriosamente inventado pelo Criador de todas as criaturas: «Bendito Sejais, Meu Senhor, Pelo Nosso Irmão Coronavírus!».
Pigi Bernareggi, Belo Horizonte (MG)