Colegiais. O coração não entra em quarentena
Um sarau cultural promovido por um grupo de Colegiais via Zoom. Não para um momento a mais de entretenimento. Uma provocação, pois «basta um coração desperto para movimentar e construir uma história original»A nossa experiência com o grupo dos Colegiais nesta pandemia começou diante do impacto com um estranho e aparente (aparente!) “limite”. O Coronavírus, como padre Carrón tem insistido, bagunçou nossos planos e nos chamou «bruscamente a responder». A primeira agenda que estava sendo desfeita era da nossa Jornada de Início de Ano. Diante dessa dor inesperada, nasceu a proposta de mantermos o gesto com o formato on-line.
Desde a Jornada, as Escolas de Comunidade são feitas semanalmente, envolvendo cada vez mais cidades. Nesse caminho, vivemos a experiência de uma live no Instagram que repercutiu em mensagens nas redes sociais pedindo que fizéssemos outros encontros assim entre os jovens. Pelo fato de a página do Instagram ser gerenciada pelos próprios meninos, um deles começou a me escrever, gravar áudios, insistindo para fazermos outra live. Depois, sem se render, contou do desejo de fazermos uma chamada por Zoom com cantos, porque esta era uma experiência genuína do nosso carisma.
Eu não conseguia deixar de ter presente esse amigo e o “bombardeio” de desejo e ideias com que ele vinha a mim. Até que um dia pensamos num Sarau, com poesias e músicas, aberto ao Brasil inteiro. Para mim, sinteticamente, a surpresa é que eram dias em que falávamos do sofrimento pela situação do país, pela confusão na política, pela nossa impotência. Mas eu me dei conta de que basta um coração desperto, de fato, um coração que não entrou de quarentena, para movimentar e construir uma história original. Diante desse único coração, outros corações – como o meu – se juntaram alegres e entusiasmados pela proposta.
Olhando o que aconteceu na noite do Sarau, constatei: é verdade! Aquelas palavras de Carrón no livro O despertar do humano caem como uma luva: «Às vezes, devido às dificuldades da vida ou por preguiça, nós detemos o caminho do olhar e paramos na aparência, permanecendo na superfície das coisas, como se o mundo todo se esgotasse nos lugares comuns que respiramos ou no que vemos pelo buraco da fechadura da nossa medida racionalista: uma medida estreita, minúscula e, no fim, sufocante (esse sufoco é o alerta de que ficamos na aparência)».
Após o Sarau, que foi realizado na noite de sábado, 20 de junho, muitos amigos nos escreveram falando desse “voltar a respirar”, de uma experiência de “cheio” em que antes existia angústia ou cansaço pela realidade, de um “surpreender-se”, de um reencontro com os familiares que participaram juntos, e tantos outros relatos comovidos pela experiência que havíamos feito juntos, de tantos lugares diferentes do Brasil. Se tudo conspira para deter o nosso olhar nessa aparência, na superfície, o Sarau foi um mergulho em águas profundas! Do nosso ser! Da nossa humanidade! Do nosso pertencer – como me escreveu uma amiga logo depois para agradecer.
Impossível não desejar viver à altura de perguntas como esta que Carrón nos propõe: «Será que estamos nos surpreendendo mais livres?» Esse desafio é claro nesses tempos: «Alguém escreveu que vamos sair mudados desta grande pandemia. Eu acrescento: vamos sair mudados, mas só́ se começarmos a mudar agora. Quer dizer, se nos dermos conta do que está acontecendo, se estivermos presentes no presente e aprendermos agora a julgar o que estamos vivendo, confinados nas nossas casas ou comprometidos na linha de frente combatendo o contágio. (...) A mudança não ocorre por simples acúmulo de impactos, de eventos e de impressões das coisas que sucedem, mas por uma compreensão do sentido do que nos acontece, ou seja, como ganho de consciência. Portanto a nossa mudança não pode ser mecânica. Sairemos mudados desta situação se, por meio das provocações que a realidade nos faz, aprofundarmos agora a descoberta de quem somos e do que é que vale a pena viver, do que é que nos permite não ficar abatidos».
E só nós é que podemos decidir fazer esse trabalho. É um belo trabalho de consciência! Como nos testemunham Jean, de Belo Horizonte, e Duda de Brasília, que ajudaram na organização do encontro:
Diante da experiência de liberdade que estou fazendo durante a quarentena, sempre me questionei como poderia fazer com que as outras pessoas também experimentassem dessa liberdade, já que visivelmente se prendiam apenas à frustração que esse tempo nos trouxe e experimentar a liberdade não podendo sair de casa parecia loucura. Então, quando veio a proposta do Sarau, encontrei a oportunidade de mostrar uma outra perspectiva para essas pessoas. Mas não com uma teoria. Com experiências vivas, com as experiências dos amigos. E acredito que foi exatamente isso o que aconteceu. O Sarau não foi mais um dos momentos de entretenimento que tanto estamos tendo, em que as pessoas se esquecem por um tempo dos problemas, da quarentena, e se sentem momentaneamente melhor. O Sarau foi um Acontecimento. Um Acontecimento que ajuda a olhar para os problemas, para a quarentena, de forma mais profunda. Não parando na aparência. Um Acontecimento que fez com que acordássemos no outro dia de um jeito diferente. A casa era a mesma, a quarentena continuava, os problemas eram os mesmos, mas o nosso eu já não era o mesmo.
Duda, Brasília (DF)
Tudo começou no início do isolamento social, quando nos foi comunicado que faríamos nossa Jornada de Início via Zoom. Depois disso começamos a fazer Escola de Comunidade com amigos de vários lugares do país usando a mesma plataforma e depois uma live pelo Instagram. Tudo isso me despertou muito, pois mesmo isolados em casa, fisicamente distantes, com aulas on-line, com uma nova rotina, cada um que desejou tirou um tempo para se dedicar às coisas que estão sendo propostas.
Um dia li um testemunho de uma garota italiana cuja mãe estava internada em estado grave, mas encontrou os Colegiais italianos e em dois domingos de cantos via Zoom conseguiu ressignificar tudo o que estava acontecendo. Depois vi uma experiência parecida com os amigos da Argentina, que se encontravam também pelo Zoom, para fazer um “Fogón”. Então pensei: por que não propor aos meus amigos dos Colegiais? Estamos vivendo tantas coisas bonitas nesse tempo e, sobretudo, temos entre nós muitos artistas, e o canto e a arte são algo que sempre nos uniu. Então propus à Giovanna, uma de nossas responsáveis e minha amiga; no começo ela fez milhares de perguntas, mas depois abraçou a proposta e convidou pessoas “chave” para que pudéssemos organizar este momento. Em uma Escola de Comunidade, a educadora Fabíola, de Manaus, disse a seguinte frase: «O nosso Coração não entrou de quarentena». No mesmo dia Ana Maria, de Brasília, fez uma pintura linda com essa frase. Usamos tudo isso como inspiração para o nosso Sarau, que aconteceu dia 20 de junho, e foi uma surpresa! Tivemos cerca de 120 conexões via Zoom, 30 inscritos para se apresentar. Foi uma noite linda e memorável. Eu, particularmente, que esperava muito, tive minhas expectativas totalmente superadas.
Mas mesmo assim, depois do Sarau senti falta de alguns amigos lá, e pensava: «Mas se fulano ou sicrano estivessem lá com a gente, eles iriam gostar muito...», ou até: «Fulano não aparecer foi uma grande falta de consideração». Esses pensamentos foram o Senhor, muito certeiro comigo, que dizia: «Jean, olha bem pra tudo o que Eu fiz, não te basta? Veja quantos corações que estavam despertos, não te basta?» Depois disso lembrei que nada disso que aconteceu foi por uma força minha, ou porque eu que quis, mas Ele!
Jean, Belo Horizonte (MG)