Uma clareza de fé em diálogo com o budismo
Um trecho da conferência proferida por Dom Giussani em 27 de junho de 1987, durante a semana cultural dedicada à Itália organizada pelo Centro Cultural Internacional de Nagoya, no Japão (de Passos n.86, Setembro 2007)Sinto-me muito honrado por estar com vocês, que representam um dos maiores, mais ativos e mais gentis povos do mundo. [...]
Permitam-me também agradecer pela surpresa do coral, pois o que eles cantaram (Povera voce; nde.) é a primeira canção criada pelo movimento dos meus amigos, há mais de trinta anos; ela resume toda a paixão da nossa atividade: ajudar todos os homens que encontramos a terem positividade de vida, positividade no sentido da vida. A nossa voz canta com um porquê, a nossa vida tem um sentido.
Eu hoje gostaria de dar testemunho disso, não de fazer um discurso.
Por mais estranhas entre si que sejam as nossas origens, do ponto de vista geográfico, mas também histórico, não há distância, não há diversidade que possa criar entre nós uma estranheza total: somos todos homens.
Há entre nós uma unidade de existência humana. A expressão “existência humana” implica que temos em comum um conhecimento e um juízo, um uso, uma fruição da realidade e do mundo, mas, sobretudo, que temos um destino em comum. Assim, tomo a liberdade de não ler, mas dizer o que sinto no coração, pois estou muito comovido com a humanidade de vocês. A primeira coisa, quando olhamos para o céu, para a terra e para tudo, a primeira coisa que nos impressiona é que nenhum homem existe isolado. Não é possível conceber a existência como algo sozinho, isolado: é possível conceber uma coisa sozinha, mas não a existência de uma coisa sozinha.
Pelo pouco que sei da história cultural de vocês, parece-me que esse seja um valor muito vivo. Estou me referindo à harmonia total, à unidade entre todas as coisas graças à qual cada coisa tem a possibilidade de viver. Esse é um dos aspectos mais agudos da sensibilidade da estirpe de vocês. Como nesta poesia de Baciò. É uma sensibilidade que nós não encontramos em outros lugares: “A fragrância de uma árvore em flor desconhecida enche a minha alma”.
É impossível encontrar uma expressão tão perfeita da relação que existe entre todas as coisas, mesmo quando são desconhecidas. Mas é como se essa grande e total harmonia, essa unidade entre todas as coisas possuísse um sentido misterioso para a minha vida. Eu não sei o que todo esse mar significa para a gota que eu sou. A tradição espiritual em que eu cresci me disse que essa grande e misteriosa harmonia tem uma voz. Esse é o ponto mais importante do pensamento humano, pois a relação com essa harmonia total é o meu destino. Essa totalidade, essa harmonia tem uma voz: que voz é essa? É uma voz que é igual para mim e para um japonês, para o homem de vinte mil anos atrás e para o homem que existirá dentro de um milhão de séculos: é igual. [...]
Vendo as estrelas ou o mar, apaixonando-se por uma mulher, olhando com ternura para os filhos, procurando audaciosamente conhecer a natureza e usufruir dela, o homem de todos os tempos, de todas as raças busca a felicidade: busca aquilo que é verdadeiro, justo, belo. Nossos filósofos antigos diziam: “Busca o ser”. Não importa o que o homem veja no universo, na realidade, tudo lhe suscita o desejo da beleza, da bondade, da justiça, da felicidade. Essa é a voz que o universo, a totalidade realiza: ela se chama “coração” do homem.
Se é assim, a grande alternativa cultural e existencial é clara: ou essa voz é sem sentido, sem realidade, e o coração do homem não existe, ou tudo tem sentido para o coração do homem. A nossa voz canta por um porquê e a nossa luta, se podemos dizer assim, é para despertar e sustentar nos homens o sentido da positividade última da vida e do coração. É por essa relação última, é por esse destino último de felicidade que o homem, conscientemente ou não, vive.
[...] Perdão, mas, na minha tradição, ou seja, vindo do meu passado, chegou até a mim a notícia de que essa voz do universo, essa voz da realidade inteira, que eu disse que aparece e se faz sentir no coração do homem, se fez ela mesma um homem, de forma tal que essa Presença que é companhia do coração está aqui. Eu devo admitir, eu devo reconhecer que o fato de a totalidade, de o mistério da totalidade ter-se tornado alguém como eu, e de que me acompanhe e o coração nele se apóie, é uma coisa comovente e grandiosa. Parece-me que, como fruto da imaginação ou como hipótese, é a maior em que se possa pensar. Perdoem-me este último testemunho, mas devo dizer que não importa o caminho, desde que seja um caminho, e que o percorramos juntos com sinceridade de coração.