Florianópolis. Uma autoridade na amizade
Um grupo de amigos de Florianópolis organizou uma convivência. Vieram pessoas de diversas cidades e de todas as idades para se juntar a eles. Nos diálogos, o tema da autoridade. Aqui, a carta de um dos presentes que se sentiu provocado por esses diasFlorianópolis já foi chamada Vila de Nossa Senhora do Desterro em honra à Madonna degli Emigrati: a padroeira dos migrantes, dos refugiados ou mesmo daqueles que buscam uma vida no estrangeiro. Alguns gostam de chamá-la apenas de “Desterro”, e a cidade foi dessa vez a ocasião de um encontro vivido no final de janeiro que em nada sugere abandono, mas sim acolhimento.
Contudo, o que me instiga compartilhar aqui é uma consciência de outra ordem: a experiência que fiz, que em nada está relacionada à historicidade tanto difundida quanto à designação recebida por esta ilha. Nos momentos desta convivência, vi surgir espontaneamente algumas reflexões acerca da autoridade. Muitas das colocações vinham de uma superabundância que provém do reconhecimento de Cristo presente.
Na mesa em que partilhamos o alimento e as ideias, falávamos sobre a autoridade na forma da pergunta “Quem seria nosso cardeal?”, como expresso na primeira meditação dos Exercícios da Fraternidade de CL do ano passado. Como outros presentes, eu me questionava também sobre o que é necessário para reconhecer alguém como autoridade. Seria alguém em particular? Essa questão nos foi colocada repetidas vezes, seja nos Exercícios da Fraternidade como também nas Escolas de Comunidade transmitidas de Milão e ainda mesmo no Cartaz do Natal. A insistência nesse ponto não pode nem deve ser incidental. É mais: é algo que deve ser levado muito a sério.
Em momentos de alegria de 2019 eu costumava dizer nas Escolas de Comunidade, quanto a este ponto, que eu não tinha apenas um cardeal: tinha um conclave inteiro para mim, já que esses amigos são memória de Cristo. Estar com eles é estar em Sua companhia. Por isso, a comunidade de Florianópolis se tornou um centro da maior importância no “desterro” de uma vida difícil. São para mim pessoas muito queridas e prova de um amor maior. Uma comunidade talvez pequena em números, mas enorme em estatura.
Entendo que a autoridade nos instiga a seguir naturalmente, por vezes nos convida, quando não nos chama abertamente. Que eu seguisse os amigos que lá estavam era com o que eu me implicava. Eu não gostaria de estar em nenhum outro lugar. Certamente pelo motivo de que o outro é um sinal. E é a realidade dessas almas, feitas para mim grandes por Cristo, que me movia no sentido de estar junto e segui-las.
Muita gente frequentou a casa onde estivemos hospedados. Eu me indagava constantemente, quase obsessivamente, enquanto estava lá, quem eram aqueles que estavam diante de mim e sinal de que seriam para mim. Qual a razão de uma tão intrigante recorrência? Havia passado pelo mesmo durante o retiro local do Advento. O que eu deveria buscar no outro? Eu imaginava essa situação aos tempos antigos, de como as pessoas faziam para não perder a Cristo em meio à multidão de todos os que O seguiam.
Esta grande sucessão de gente faz pensar na totalidade da vida com os matizes que abrangiam todas as idades: crianças, jovens, adultos e idosos que marcaram os dias com a variabilidade e o dinamismo de uma presença viva. E ainda assim, apenas uma pequena parte de tantas experiências intensas vividas nos dias em que estivemos juntos. Este ponto de convergência é memória de uma humanidade que vi se renovar no influxo das numerosas famílias ali presentes. Esteve expresso em gestos de cuidados, grandes e pequenos: nos preparativos da vinda, na organização das coisas, no preparo das refeições, nas contribuições das assembleias, também no provimento das compras e finalmente na partilha de tudo.
Houve várias ocasiões para testemunhos. De alguns fui um espectador silencioso, porém atento ao acontecimento que via transcorrer diante de meus olhos, que me remete à memória da Antífona de Comunhão do dia 4 de janeiro: «A vida que estava no Pai manifestou-se e apareceu aos nossos olhos” (1Jo 1,2). Com efeito, recorro desastradamente a palavras impressas numa tentativa de expressar a intensidade da religião do Verbo Encarnado. Seria vão também tentar descrever toda a beleza das relações que se propunham lá a todo instante. Está mais naquilo que se adivinha por dom, do que é dito e se percebe abertamente.
Fiquei em silêncio por muito tempo, pois gosto de ouvir os amigos: o silêncio é um convite para contemplar o Mistério. Agora recorro a algo que me parece familiar e que penso ter ouvido de um outro: porque para ouvir é necessário calar a voz; para “ver” é necessário ter os olhos abertos, e para seguir é necessário ter consciência do limite dos próprios passos, que somados um ao outro conduzem ao Destino, o qual é o fundo de toda espera.
Resta sempre a espera de ver a Cristo na face daqueles que nos são dados e de vê-Lo, enfim, um dia face a face. Espera essa que parece longa demais para suportar a quem ainda faltam virtudes. Sentimos a brevidade da vida, devido diante do tamanho do nosso desejo, e do amor ao nosso Destino; expresso pelo mar e pelo horizonte das praias em que caminhamos, esses beirais do infinito que simbolizam algo desconhecido e divino.
Por isso seguir. Acreditar enquanto se confia no vínculo. Por isso, as palavras que Carrón colocara na introdução e homilia para o retiro de Advento da Fraternidade São José foram para mim de um grande consolo: «O seguimento não é um esforço nosso, e sim porque não queremos perder o que vimos».
A liberdade só possui sentido com um empenho consciente, muitas vezes traduzido pela obediência. A obediência vem do reconhecimento de algo ordem maior que nos impele, não por uma questão de esforço, muito menos de mérito, mas da Graça, “que nos põe o mundo e a realidade diante de nós”, como disse uma amiga. Se nos preocupamos demais com as formas, perdemos a centralidade dos gestos e de reconhecer em profundidade e intensidade, na última instância, a vida pela fé que nos foi dada.
Este convívio foi um espaço para amadurecer minhas perguntas. Eu ainda estou aprendendo a amar o destino que apenas entrevejo e de reconhecer o que me é dado. Por isso, peço constantemente ao Senhor, pelo amor com que Ele me quer, que eu O ame; que me coloque diante da única atitude possível: aquela da entrega de mim mesmo, de dar Graças sempre e a todo o momento. Que eu mendigue coração de Cristo, pois Ele pede pelo meu.
Busco a coragem de dizer “amém”, pois isso é afrontar o mundo com um amor que não é meu, e de estar aberto ao acontecimento. Amar uns aos outros: essa coragem cuja convicção de alma só pode se fazer pequena diante de uma vontade maior, e é exercida por meio da atração inevitável que Ele difunde por meio de seus fiéis: suas autoridades, com as quais felizmente pude conviver. «Entre nós o amor de Cristo», como dizia Dom Giussani. Não é essa a própria antecipação do convívio dos eleitos?
Carta assinada