Laços de família

A segunda obra escolhida para Entrepassos foi um clássico de Clarice Lispector, a escritora de origem ucraniana, especialista em detectar as pegadas do infinito na frugalidade cotidiana.

Clarice perde a mãe aos 10 anos e o pai aos 20. Passa por inúmeras necessidades financeiras. Isso não a impede de, aos 22, já trabalhando como jornalista, publicar seu 1º livro: Perto do Coração Selvagem, que alcança boa repercussão. Nele, já está presente o estilo marcante de sua obra: uma narrativa na qual as ações surgem como arquitetas, como desenhos materiais da reflexão interior que predomina em toda a sua obra, o que é uma de suas grandes virtudes literárias.

Para nós, a grande contribuição desta autora é gritar que o cotidiano é impressionante, mas ele, somente nele mesmo, é de um sufocamento que torna a sua potencial sacralidade uma condenação.

Em 1976, um ano antes de falecer, José Castello, biógrafo e escritor, trabalhando no jornal "O Globo” trava então o seguinte diálogo com Clarice:
J.C. "— Por que você escreve?
C.L. — Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?
J.C. — Por que bebo água? Porque tenho sede.
C.L. — Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."

Que este convite à leitura possibilite esse tipo de experiência: estarmos cada vez mais vivos.