O que temos de mais caro?

Uma resenha do livro "Breve história sobre o Anticristo", de Vladimir Soloviev, um «manifesto permanente do nosso movimento: não há excerto literário que consiga expressar melhor o sentimento que nos anima»
Ricardo Borges (Companhia da Leitura)

«O imperador interrogou os cristãos: “Homens estranhos […] Dizei-me vós mesmos, ó cristãos, abandonados pela maioria de vossos irmãos e de vossos chefes, o que vos é mais caro no cristianismo?” Levantou-se, então, o starets João e respondeu com doçura: “Ó grande rei, o que nos é mais caro no cristianismo é o próprio Cristo. Ele próprio e tudo o que d’Ele vem, por que sabemos que n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade”.»

A respeito desse trecho extraído da Breve história sobre o Anticristo, de Soloviev, Dom Giussani afirmou: «Este texto será de agora em diante o manifesto permanente do nosso movimento: não há excerto literário que consiga expressar melhor o sentimento que nos anima» (A. Savorana, Luigi Giussani: A sua vida, Coimbra: Tenacitas, 2017, p. 807).

O que diferencia os cristãos dos outros homens não é sua coerência moral, nem sua capacidade intelectual, nem sua habilidade e poder de mudar o mundo, mas só a fé: o reconhecimento da presença viva de Cristo, ou seja, de Deus que se fez homem, única consistência e segurança do viver humano. Por isso sua preferência pelo diálogo citado, tão emblemático dessa certeza.

Propomos, por isso, a leitura da Breve história sobre o Anticristo, título da última e mais conhecida obra do escritor, filósofo, teólogo e crítico literário russo Vladimir Soloviev (1853-1900). Além de ser – segundo a crítica – uma das melhores obras literárias já escritas sobre o tema apocalíptico, é uma obra admirável também pela capacidade de compreender e prever o espírito do nosso tempo.

Soloviev descreve o Anticristo como «um homem notável, que aos trinte e três anos tinha já fama de grande pensador e reformador social, de modo que muitos o chamavam de super-homem». Sua elevada autoestima parece plenamente justificada pelas «manifestações rigorosas de abstinência, abnegação e disposição ativa de ajuda». Sua ascensão é meteórica e em poucos anos é eleito Imperador de toda a Terra, promovendo não só a paz entre a nações como uma ampla «reforma social e econômica que satisfaz a todos os pobres, sem afetar sensivelmente os ricos». Seu discurso de posse termina com as palavras: «Povos da terra! As promessas se realizaram! A eterna paz universal está assegurada!»

Aqui se introduz um dos tantos questionamentos propostos pelo texto: em que consiste a paz?

O Anticristo oferece ao mundo a paz universal e a solução dos problemas socioeconômicos. Então, quem é que nos nossos tempos – em sã consciência – pode dizer que o fim das guerras e um estado global de bem-estar social não sejam bens supremos e inquestionáveis? Afirmar Jesus Cristo como nosso bem mais precioso, o Único necessário, soa ao homem de hoje como algo abstrato, descolado da realidade, coisa de homens e mulheres “estranhos”.

Enquanto caminhava pelas ruas da Galileia, o homem Jesus também nos fazia sua oferta: «Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize» (João 14:27). Existe, portanto uma paz verdadeira, que provém do Ressuscitado presente e que permite que o coração do homem não se atemorize diante das circunstâncias, especialmente quando elas se tornam difíceis, e uma paz do mundo, com a qual o poder e as ideologias tentam nos manipular e assimilar.

Lembremos que, em 15 de outubro do ano passado, na audiência para celebrar o centenário do Servo de Deus Luigi Giussani, o Papa Francisco conclamou Comunhão e Libertação a ser, junto com ele, Profetas da Paz!

A Breve história sobre o Anticristo nos ajuda a refletir e responder pessoalmente a essas duas perguntas fundamentais: “O que temos de mais caro?” e “Qual a paz que desejamos para as nossas vidas?”

Boa leitura!