Livro do bimestre. Um itinerário de conversão

As impressões de um leitor ao mergulhar no livro do bimestre, sugestão de leitura deste período. Um texto de Guimarães Rosa: «Deus salva por meio das vicissitudes humanas e não apesar das vicissitudes humanas!»
Pedro Machado

A novela A hora e a vez de Augusto Matraga, de João Guimarães Rosa, fecha, com chave de ouro, o livro Sagarana, publicado em 1946. A edição à qual tive acesso é a da Nova Fronteira de 2006 e, justamente por ser comemorativa aos 60 anos dessa obra, contém vários comentários redigidos pelo próprio autor a respeito das histórias que compõem o volume. Tais comentários reforçaram o entendimento que tive ao ler a trama de Augusto Matraga, o qual relato a seguir.

Deus salva por meio das vicissitudes humanas e não apesar delas. Ele atrai o homem por meio da realidade, usando-a para a salvação do próprio homem, mesmo quando a realidade é aparentemente feia. Augusto Esteves era um homem mau. Filho de fazendeiro rico pôs os bens do pai a perder e praticou muita maldade, ele mesmo e juntamente com seus capangas.

Mas um acontecimento literalmente doloroso provocou uma reviravolta em sua vida. Após quase ser morto a mando de um fazendeiro rival, caiu num penhasco e foi acudido por um casal samaritano. Durante a convalescença, o encontro com um padre despertou nele o desejo de iniciar um novo caminho. «P’ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!», bradou. E após a longa saga que se seguiu, o impossível aconteceu: numa luta mortal, salvou a vida de um parente e a sua alma.

Nessa novela está presente o drama da humanidade pessoal frente à atração que a realidade provoca e a resposta livre do homem chamado em causa. É tão bonito que parece real, mas conforme declara o próprio autor, «é uma história inventada e não é um caso acontecido, não senhor».

A hora e a vez de Augusto Matraga é um itinerário de conversão e da misericórdia divina. Como resume Guimarães Rosa, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, é «a história mais séria, de certo modo síntese e chave de todas as outras (de Sagarana)».