Nada a menos!

Colegiais que estiveram em Porto Alegre de 16 a 21 de julho relatam um pouco do que viveram ao aderir a essa mudança na proposta inicial de férias. Peregrinos da esperança: uma viagem cheia de humanidade
Marcelo Belga e Martionei Gomes

As cores mudam
As mudas crescem
Quando se desnudam
Quando não se esquecem
Daquelas dores que deixamos para trás
Sem saber que aquele choro valia ouro
Dani Black (Maior)

A dois meses das férias dos Colegiais para Brasília, pe. Ignazio e pe. Moisés nos fazem uma proposta diferente, inusitada e fora das nossas medidas: “Entramos em contato com um padre Bruno, amigo de Wellington e Lívia no Rio Grande do Sul, e queremos saber se vocês aceitam fazer as férias dos colegiais em Porto Alegre, como caritativa. Topam?”

Todo ano propomos aos adolescentes (colegiais) do Movimento Comunhão e Libertação e seus amigos, um momento para ficarmos juntos no tempo livre, em julho. A cada ano vamos a um lugar diferente. Dessa vez íamos para Brasília e estava quase tudo pronto. Porém, quando os padres fizeram essa proposta para mudarmos as férias, aceitamos sem reclamar ou colocar obstáculos, mas em nossas cabeças pensávamos: “Como faremos isso!?” Sabíamos da catástrofe que tinha acontecido no Rio Grande do Sul e nem imaginávamos o que poderia nos esperar... mas estar diante da presença desses dois amigos e do desejo desafiador de ajudar, fez com que começássemos a nos mover, mesmo diante das dificuldades que prevíamos.

A primeira questão foi verificar se era razoável fazermos as férias em Porto Alegre. Começamos a verificar com os jovens a proposta e com os amigos do Rio Grande do Sul. No início, alguns adolescentes não estavam tão animados. Isso aconteceu em todas as comunidades. Depois, porém, começou um movimento de adesão que não esperávamos, tanto dos educadores quanto dos jovens.

Em Belo Horizonte, por exemplo, estávamos empenhados nos gestos para arrecadar dinheiro para as férias. Isso colaborou para o envolvimento dos meninos, mesmo daqueles que não precisavam de ajuda. As famílias começaram a se envolver mais e fomos vender chup-chup até na esplanada do Mineirão.

Em São Paulo, logo tivemos voluntários adultos para ajudar, mas os jovens demoraram a aderir. Quando a educadora Mônica os provocou, dizendo que em Brasília já eram 13 inscritos, enquanto nenhum paulista havia preenchido o formulário para o Sul, aí começaram a se decidir e efetuar as inscrições e um foi contagiando o outro. Resultado: a reserva do ônibus fretado, para os amigos de São Paulo e Brasília, inicialmente de 30 lugares, foi concluída com um de 50 lugares, lotado.

Há um texto do Monsenhor Luigi Giussani (para nós, carinhosamente, Dom Gius) que nos ajudou nos encontros, propostas e assembleias: O sentido da caritativa.

Ficamos em Porto Alegre do dia 16 a 21/07/24, de terça à noite a domingo de manhã, e de quarta a sexta lemos um trecho desse texto a cada dia para ajudar a termos mais consciência daquilo que fazíamos. Segundo D. Gius, a caridade é uma “lei da existência”, não é uma escolha. Se queremos ser mais nós mesmos, é sábio doar uma parte do nosso tempo livre para o outro. Em uma das assembleias, uma jovem disse que, apesar de estar afastada de alguma experiência religiosa, percebeu como estava mais viva permanecendo nesse lugar, limpando a sujeira que a água da enchente tinha deixado.

Helton, um dos voluntários que acompanhava os jovens de BH, relatou, em uma das reuniões que fazíamos no final de cada dia com os educadores e voluntários, que estávamos vivendo intensamente porque acordávamos às 7h, depois do café rezávamos as laudes; saíamos para trabalhar após termos lido um trecho do texto citado acima e com uma pergunta; daí seguíamos para trabalhar nas paróquias. À noite, após o jantar, conversávamos como tinha sido o dia (assembleia) e depois íamos à missa, na igreja acima do alojamento em que estávamos. Vejam se isso não é o ideal de uma vida.



Dividimos o grupo de pessoas, entre voluntários, educadores e jovens (a maioria era adolescentes entre 13 a 17 anos), em duas paróquias indicadas pelo pároco da igreja onde estávamos alojados. Ao nos receberem, tanto Vanizia quanto Vilma, paroquianas muito vivas e atuantes em suas respectivas comunidades, foram exemplos de resiliência, que nos inspiraram a reconhecer como é verdadeiro que “é pelo fato das coisas, é pelo dado da sua existência que o homem extrai o conhecimento de si e do seu destino [...] é na experiência que nós descobrimos quem somos” (PACCOSI, Giovanni. “O que me espanta, diz Deus, é a esperança”. Companhia Ilimitada: São Paulo, 2024. p. 13-14). Vanizia dizia que estava ali para nos receber, mesmo tendo sua casa para arrumar. Relatava que sem estar na igreja e viver aquela experiência, não era possível voltar para casa. Estar ali na igreja [que tinha os bancos amontoados do lado de fora, lugar onde a marca d’água nas paredes chegou a quatro metros] era o principal, a sua primeira casa. Ela dizia que tinha pessoas ajudando a limpar a moradia dela.

Dona Vilma, assim a chamávamos, contava como foi difícil enfrentar a situação, pois ela tinha saído de sua casa que fora inundada. Após ter ido para um apartamento no segundo andar do prédio, novamente teve que sair às pressas por causa da inundação. Ela, porém, estava conosco, dizia, muito agradecida de ver que estávamos ali, de diversas regiões do país, para ajudá-los. Relatou também que sua fé aumentou diante dessa catástrofe. Não só suas palavras, mas também a presença de sua pessoa entre nós, oferecendo o café e com um olhar cheio de gratidão, faziam-nos retomar o trabalho cansativo de separar as roupas doadas (pilhas e pilhas de roupas).

Vanizia, Vilma, pe. Bruno, os cozinheiros de Canoas (Olnei e Marcos), os voluntários de São Paulo e tantos amigos dessa caritativa nos mostraram que mesmo quando estamos cansados, até desanimados, levantar os olhos e olhar para aquilo que está ao nosso redor, além da aparência imediata, seguindo uma proposta, nos faz reconhecer em nós uma força, uma dignidade que vai além de nossa imaginação. Como repetia sempre em seus testemunhos a voluntária Sandra Paiva: “Não quero nada menos que isso!”

>> Leia os testemunhos de alguns jovens e educadores que participaram da caritativa em Porto Alegre.