A primazia do real e a luz do infinito

Breve resenha sobre a obra A descoberta do outro, livro do bimestre proposto para os meses de junho e julho/2022. Da Passos de jun/2022

«Pode um homem culto de nossos dias crer, crer realmente, na divindade do Filho de Deus, Jesus Cristo?» Essa pergunta de Dostoiévski recebe uma resposta surpreendente e convincente na trajetória biográfica de Gustavo Corção, lindamente descrita no livro A descoberta do outro.

A formação técnica e cientificista não impediu que o engenheiro ateu se perguntasse sobre o sentido do seu trabalho com o galvanômetro, da sua relação com seus familiares e amigos, da política e da cultura, levando-o a se defrontar com suas possibilidades e limites. O rigor e cuidado na forma de buscar conhecer, entender o que acontece à sua volta leva-o a considerar e valorizar a objetividade da realidade até chegar a descobrir que ela aponta para algo ou Alguém além dela: «a realidade de cada coisa é iluminada por um absoluto, banhada numa suma-realidade» (p. 94). Por meio da primazia do real, do objeto, o autor chama a atenção em relação aos gostos ou opiniões, ao tomar partido ou ter razão – tão valorizados atualmente – indicando que para «os homens de opinião a única realidade é o próprio eu» (p. 95) não importando os fatos.

No relato de episódios cotidianos, o autor revela sua humanidade «qualquer coisa que se agita em nós, espécie de mágoa indefinida porque esse termo nos une, mas ao mesmo tempo dói» (p. 112) e conta como se deu sua conversão, em circunstâncias banais, simples, por meio das quais «caiu do cavalo». Esse acontecimento introduz uma grande novidade, abre amplos horizontes no seu modo de pensar e de se relacionar com o outro.

Ele cita a dialética, o pensamento materialista que procura as causas e soluções dos problemas na tensão entre opostos. Na verdade, é a maneira de pensar do século XX e XXI que é ampliada por um fator não mensurável, o absoluto, o Outro que ilumina e amplia a compreensão dos fenômenos.

As exigências humanas chamadas pelo autor de sensos: senso da objetividade, senso lúdico e senso da altruidade buscam por uma resposta: «Nossos três sensos tateiam à procura de um objeto. Onde está ele, esse objeto cuja presença velada nos agita? Por que nos escondeu Ele a sua face?» (p. 124). Quando se torna cristão, reconhece que o objeto procura esses três sensos. A resposta, o Outro vem ao nosso encontro e por meio d’Ele, essas exigências encontram satisfação nas três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, belamente descritas nos últimos capítulos.

«A vida só é cristã quando tudo pesa na balança da eternidade, e por isso a mesa do trabalho, do mais obscuro trabalho, que não é nada, menos que nada, se pretende ser uma atividade salvadora do mundo, é muito e pesa, se significa a aceitação da tarefa diária, a entrega do cotidiano, a preparação de um ofertório» (p. 197).

Por isso vale muito a pena ler a história de conversão desse engenheiro que, a partir de detalhes da sua vida cotidiana, chega ao Infinito.